sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

VILÕES

Em 2005, o AFI lançou uma lista com os 50 maiores vilões e 50 maiores heróis da história do cinema americano. Contudo, o mais interessante são os primeiros, posto que os heróis são sempre parecidos, isto é, virtuosos, bonzinhos, caridosos e, sobretudo, insossos. Encabeçam a lista do AFI:

1º - Hannibal Lecter, de O silêncio dos Inocentes; 2º - Norman Bates, de Psicose; 3º - Darth Vader, de Star Wars; 4º - A bruxa má do Oeste, de O Mágico de Oz;...

Como não poderia deixar de ser, os grandes vilões da história do cinema foram injustiçados: Alex, de Laranja Mecânica, amargou a 12ª posição; enquanto Eve Harrington, de A Malvada, ficou com a modesta 23ª posição.

Falando de vilão, nada pior do que assistir aos exageros maniqueístas das vilãs de novela das 8, como a Nazaré, de Senhora do Destino, e aos mutantes da novela da Record (ainda bem que acabou aquela droga). Sem querer posar de intelectual, mas, na televisão, não há nada que se equipare ao Edmundo de Rei Lear, ou ao Ricardo III, ou Henrique VIII, ou Macbeth, ou, principalmente, ao Iago, de Otelo, o maior vilão de todos os tempos, cuja maldade causaria inveja ao próprio diabo.

Bons tempos aqueles em que o que era bom e o que era mau eram bem distintos, hoje, tudo se confunde, e o que impera é a lei do politicamente correto, ou melhor, "in-politicamente" correto, pois, a política é um espaço democrático aberto às diferentes opiniões.

Hoje, todos têm de ser bonzinhos, e o vilão perdeu seu espaço para o maniqueísmo sensacionalista.

Ai, que saudades de Mefistófeles...

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

ANÁLISE DE "O NOIVADO DO SEPULCRO", DE SOARES DE PASSOS

O NOIVADO DO SEPULCRO

Balada

Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soouu;
Que paz tranqüila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.

Que paz tranqüila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
Dentre os sepulcros a cabeça ergueu.

Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na mormórea cruz.

Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.

Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre os ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:

"Mulher formosa, que adorei na vida,
E que na tumba não cessei de amar,
Por que atraiçoas, desleal, mentida,
O amor eterno que te ouvi jurar?

Amor! engano que na campa finda,
Que a morte despe da ilusão falaz:
Quem dentre os vivos se lembrara ainda
Do pobre morto que na terra jaz?

Abandonado neste chão repousa
Há já três dias, e não vens aqui...
Ai, quão pesada me tem sido a lousa
Sobre este peito que bateu por ti!

Ai qão pesada me tem sido!"e em meio
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.

"Talvez que rindo dos prostestos nossos,
Gozes com outro d'infernal prazer;
E o olvido cobrirá meus ossos
Na fria terra sem vingança ter!"-

"Ó nunca, nunca!" de saudade infinita,
Responde um eco suspirando além...-
"Ó nunca, nunca!" repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços tem.

Cobrem-lhe as formas divinais, airosas.
Longas roupagens de nevado cor;
Singela c'roa de virgíneas rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.

"Não, não perdeste meu amor jurado:
Vês este peito? reina a morte aqui...
É já sem forças, ai de mim, gelado,
Mas ainda pulsa com amor por ti.

Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
Da sepultura, sucumbindo à dor:
Deixei a vida... que importava o mundo,
O mundo em trevas sem a luz do amor?

Saudosa ao longe vês no céu a lua?"-
"Ó vejo sim... recordação fatal"-
Foi à luz dela que jurei ser tua
Durante a vida, e na mansão final.

Ó vem! se nunca te cingi ao peito,
Hoje o sepulcro nos reúne enfim...
Quero o repouso do teu frio leito,
Quero-te unido para sempre a mim!

"E ao som dos pios co cantor funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério
Foi celebrado, d'infeliz amor.

Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.

Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só.

ANÁLISE INTERPRETATIVA

Antônio Augusto Soares de Passos, ou simplesmente Soares de Passos, faz parte da segunda geração do romantismo português, o ultra-romantismo, que foi influenciado, decisivamente, pela poesia pessimista e sentimental do britânico Lord Byron. “O Noivado do Sepulcro”, poema mais célebre de Soares de Passos, exemplifica, de acordo com Massaud Moisés, “à perfeição a psicologia que informava o Ultra-Romantismo”. (MOISÉS, 1974, p. 281)

O poema, composto por dezenove quadras em versos decassílabos, conta, grosso modo, a história de um amor que supera a morte, a partir de um casal de esqueletos, e a estrutura rítmica segue o esquema: A, B, A, B. As principais características do ultra-romantismo encontram-se em “O Noivado do Sepulcro”.

O ambiente fantasmagórico, mágico, “negro”, funéreo, o exagerado tom melodramático que beira a pieguice, o amor etéreo, idealizado, acima de todas as convenções sociais, e até mesmo, “espirituais”, haja vista o noivado “além-túmulo”, a relação de amor e morte, não raro dotado de excessiva teatralidade, o ímpeto desmedido, irracional, o anseio pelo infinito, a alienação, o clima noturno, os ideais transcendentais, tudo isto está presente neste poema de Soares de Passos.

Na primeira estrofe, percebe-se o valor da morte como o remédio apaziguador do espírito, como a cura da alma, ou seja, a valorização do ideal, em detrimento do mundo terreno, efêmero, corrompido pela sociedade burguesa e suas convenções mesquinhas. Na segunda estrofe, insere-se o elemento fantástico a partir do fantasma que se levanta de seu sepulcro.

O décimo verso, presente na terceira estrofe, apresenta uma contradição bem ao gosto dos poetas românticos: “Campeia a lua com sinistra luz”. A importância do significado da noite no pensamento romântico é fato conhecido. Em oposição às “luzes” do iluminismo, o romantismo faz questão de colocar a “noite”, isto é, o obscuro, o irracional, como princípio de sua filosofia. De acordo com Albert Béguin, “De la múltiple y contradictoria herencia del siglo XVIII, el romántico recoge de preferencia las afirmaciones irracionalistas o las tradiciones místicas”. (BÉGUIN, 1993, p. 25) Por isso, a “sinistra luz” não se refere, unicamente, ao luar de uma noite macabra, mas também, e, sobretudo, ao pensamento extremamente racionalista do iluminismo.

Na sexta, sétima e oitava estrofes, o discurso do eu - lírico é substituído pela personagem principal do poema, que é o homem que, mesmo morto, continua a amar sua “namorada”, acreditando, porém, que ela não mais o ama. “Por que atraiçoas, desleal, mentida,/ O amor eterno que te ouvi jurar?” As lamentações só cessam quando ele ouve o eco da voz de sua amada, dizendo-lhe que nunca quebrara a promessa de amor eterno.

O trigésimo sétimo e o trigésimo oitavo versos, “Talvez que rindo dos protestos nossos,/ Gozes com outro d’infernal prazer;”, revela o ciúme injustificado do amante em relação à sua amada e apresenta o ato sexual, ou seja, a consumação carnal do amor idealizado, como algo impuro, devasso, em suma, “infernal”; por outro lado, a expressão “protestos nossos” demonstra o espírito de revolta do romantismo, neste caso, lutar contra as convenções sociais em nome de um amor que ultrapassa qualquer fronteira. Fica, portanto, subentendido que o casal enfrentou, durante a vida, dificuldades frente à sociedade, e o amante quer que sua amada honre o seu juramento de fidelidade depois de tantas agruras.

Nas estrofes 13 e 14, a mulher confirma a promessa de amor feita a ele, à luz do luar. A promessa de amor eterno do casal está presente nos versos 59 e 60, “Foi à luz dela que jurei ser tua/ Durante a vida, e na mansão final.”

As quatro últimas estrofes narram o encontro do casal num só sepulcro, celebrando, por fim, a promessa de união eterna. “(...) uma tumba funeral vazia. (...). Dois esqueletos, um ao outro unido,/ Foram achados num sepulcro só.” Em suma, nem a morte foi capaz de vencer o amor. Nada poderia ser mais tipicamente romântico.

De acordo com Massaud Moisés,

“Hoje a balada e a tendência literária em que se inscreve, cheiram a coisas peremptas ou amarradas a uma tábua de valores superados. Todavia, há que ter em conta a psicose ultra-romântica quando se pretende rastrear as origens de alguns “ismos” modernos, como o Existencialismo ou, de certo modo, o Surrealismo.” (MOISÉS, 1974, p. 282)

REFERÊNCIAS

BÉGUIN, Albert. El Alma Romántica y el Sueño: Ensayo sobre el romanticismo alemán y la poesía francesa. Trad.: Mario Monteforte Toledo. Madrid: Fondo de Cultura Economica, 1993.

MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 6ª Ed. São Paulo: Cultrix, 1974.

A EPOPEIA ÁRCADE BRASILEIRA

A epopéia é um gênero literário que se caracteriza pela narração de feitos históricos de uma nação, representada pela figura de um herói. O herói épico atua como modelo de inteligência, coragem e beleza. Surgidas na Grécia Antiga as primeiras epopéias são: A Odisséia e Ilíada, de Homero. Em língua portuguesa, a mais importante epopéia são Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões. No Brasil, a primeira epopéia foi Prosopopéia, de Bento Teixeira, publicada em 1601 e precursora do Barroco no Brasil. No Arcadismo, tivemos três epopéias: O Uraguai, de Basílio da Gama, Caramuru, de Santa Rita Durão, e Vila Rica, de Cláudio Manuel da Costa, no entanto, são as duas primeiras os maiores representantes desse gênero no período árcade.

O Uraguai

Basílio da Gama nasceu em Tiradentes (MG), em 1741, e morreu em Lisboa, em 1795. Estudou com os padres jesuítas no Rio de Janeiro, que foram expulsos, em 1759, pelo Marquês de Pombal, e seguiu, em 1760, para Roma, onde ingressou na Arcádia Romana sob o pseudônimo de Termindo Sipílio, em 1763. Em 1767, retorna ao Brasil, e um ano mais tarde é mandado preso a Lisboa por jesuitismo. Sua pena era 8 anos de degredo em Angola, porém, publica um poema nupcial dedicado à filha do Ministro Conde de Oeiras, o futuro Marquês de Pombal, e passa a ser prestigiado junto à Corte. É eleito sócio correspondente da Academia das Ciências, em 1795, ano em que morreu. Sua obra mais significativa é o poema épico O Uraguai.

Publicado em 1769, O Uraguai, epopéia escrita em cinco cantos, em versos decassílabos brancos e sem estrofação, narra um episódio importante da História do Brasil e da América do Sul: a guerra pela definição de fronteiras perpetrada pela Companhia de Jesus, tendo, de um lado, jesuítas espanhóis – que fundaram os Sete Povos das Missões às margens do Rio Uraguai – e, de outro, jesuítas portugueses, que ocupavam uma região na foz do Rio da Prata, a Nova Colônia do Santíssimo Sacramento, ponto situado no extremo sul dos domínios espanhóis.

O Tratado de Madri (1750) determinava a troca de ambas as colônias, sendo dois representantes enviados para a negociação: Gomes Freire de Andrade, de Portugal, e o Marquês de Valdelírios, da Espanha. A Cia. de Jesus, porém, tinha como suas as terras tanto espanholas quanto portuguesas, ou seja, havia um terceiro poder, a Igreja, a disputar esse espaço. A facção espanhola armou os índios, que para enfrentar o exército português, a fim de derrotá-lo e converter sua vitória para a Companhia, que ao final foi derrotada. Gomes Freire pretendia, apesar do conflito, aliar-se aos espanhóis para efetuar o acordo. Mas estes, assustados com a esterilização dos campos que alimentavam o gado e os cavalos, aconselharam os lusitanos a baterem em retirada. Gomes Freire não se rende e a guerra inicia-se.

No canto I, as tropas aliadas se reúnem para combater os índios. No canto II, o exército avança e há uma tentativa de negociação com os chefes indígenas Cepé e Cacambo. Não havendo acordo, trava-se a luta, que termina com a derrota e a derrota e a retirada dos índios. No canto III, Cacambo ateia fogo à vegetação em volta do acampamento aliado e foge para sua aldeia. O padre Balda manda prender e matar Cacambo, para que seu filho sacrílego Baldeta possa casar-se com Lindóia, esposa de Cacambo, e tomar posição do chefe indígena morto. Lindóia, em uma visão, prevê o terremoto de Lisboa e a expulsão dos jesuítas por Pombal. No canto IV, são retratados os preparativos do casamento de Baldeta com Lindóia. Esta, chorando a morte do marido e não desejando casar-se, entra num bosque e deixa-se picar por uma cobra venenosa. Chegam os brancos, que cercam a aldeia. Todos fogem; antes, porém, os padres mandam queimar as casas e a igreja. No quinto e último canto, O líder português Gomes Freire de Andrade prende os inimigos na aldeia próxima, e há referências ao domínio universal da Companhia de Jesus e a seus crimes. Os índios foram massacrados neste que foi um dos mais sangrentos episódios da História do Brasil.

Caramuru

Nascido em Cata Preta (MG), em 1722, e falecido em Lisboa, em 1784, Santa Rita Durão fez seus estudos na Ordem de Santo Agostinho, em Portugal, onde foi ordenado padre agostiniano e lecionou teologia na Universidade de Coimbra. Durante o governo de Pombal, foi perseguido e abandonou Portugal. Trabalhou em Roma como bibliotecário até a queda de seu grande inimigo, retornando, então, ao país luso. Em 1781, publica o seu poema épico Caramuru.

Caramuru é um poema épico escrito sob os moldes camonianos: dez cantos, versos decassílabos, organizados em oitava rela (com rimas ABABABCC) em que são narradas as lendárias aventuras de Diogo Álvares Correia, náufrago no Recôncavo da Bahia no século XVI. Seus companheiros de naufrágio foram devorados pelos índios; ele, porém, teria se salvado, dando um tiro de espingarda que impressionou tanto os nativos que passaram a respeitá-lo e lhe deram o nome de Caramuru, que significa “filho do trovão”. Esse contato rende a Diogo Álvares Correia, além do prestígio como guerreiro, o assédio das moças da tribo, especialmente Moema. Apaixona-se, entretanto, por Paraguaçu, a linda filha do cacique da tribo, e com ela retorna a Portugal, pegando “carona” num navio francês. Casa-se com ela, leva-a à Corte francesa, onde é batizada em ritual católico por Catarina de Médicis.

Trata-se de uma obra nativista, em que o autor prima por detalhar a fauna, as riquezas minerais brasileiras, bem como os costumes indígenas. Essas mostras de erudição, ao gosto enciclopédico da época, trazem pesadas lições de zoologia, história, folclore, geografia e religião, em prejuízo do tom épico e lírico do poema, quebrando-lhe seqüência de ação e a intensidade emocional da obra.

Contudo, a finalidade expressa em Caramuru é descrever o início da colonização da Bahia, por obra, sobretudo, de Diogo Álvares Correia e sua mulher, Paraguaçu. Simultaneamente, há um desígnio mais importante para o poeta: a redenção do índio pela conversão. A violência e a opressão são disfarçadas pelo tratamento poético que Durão emprega no discurso ideológico do texto. O poeta parece aderir à causa, isto é, à guerra, contemplando-a com fascinação. Ressalta-se que Caramuru foge de uma característica presente nas antigas epopéias, pois suprime o maravilhoso, isto é, a fantasia do texto, haja vista que, por se tratar de um texto neoclássico, a razão é o fio condutor da narrativa. A epopéia de Santa Rita Durão pode ser chamada de épico colonialista, pois glorifica as ideologias e métodos da Metrópole portuguesa no processo de colonização do Brasil.

É sabido que Caramuru é uma resposta a O Uraguai, de Basílio da Gama, cujo pombalismo ilustrado estava próximo daquilo que em seu tempo era considerado o “progresso”. Todavia, em Caramuru, a visão laica e civil de O Uraguai é banida, fazendo, nesse sentido, a epopéia de Durão um antagonista ideológico de seu antecessor. Enfim, observa-se que, a despeito de ambas as obras serem consideradas as principais epopéias árcades, mineiras e indianistas, elas são, na verdade, um par antitético: Caramuru, em sua estrutura camoniana, devota e jesuítica, é claramente uma réplica a O Uraguai, à Ilustração portuguesa, à pseudo-epopéia voltaireana, pombalina e antijesuítica.