A epopéia é um gênero literário que se caracteriza pela narração de feitos históricos de uma nação, representada pela figura de um herói. O herói épico atua como modelo de inteligência, coragem e beleza. Surgidas na Grécia Antiga as primeiras epopéias são: A Odisséia e Ilíada, de Homero. Em língua portuguesa, a mais importante epopéia são Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões. No Brasil, a primeira epopéia foi Prosopopéia, de Bento Teixeira, publicada em 1601 e precursora do Barroco no Brasil. No Arcadismo, tivemos três epopéias: O Uraguai, de Basílio da Gama, Caramuru, de Santa Rita Durão, e Vila Rica, de Cláudio Manuel da Costa, no entanto, são as duas primeiras os maiores representantes desse gênero no período árcade.
O Uraguai
Basílio da Gama nasceu em Tiradentes (MG), em 1741, e morreu em Lisboa, em 1795. Estudou com os padres jesuítas no Rio de Janeiro, que foram expulsos, em 1759, pelo Marquês de Pombal, e seguiu, em 1760, para Roma, onde ingressou na Arcádia Romana sob o pseudônimo de Termindo Sipílio, em 1763. Em 1767, retorna ao Brasil, e um ano mais tarde é mandado preso a Lisboa por jesuitismo. Sua pena era 8 anos de degredo em Angola, porém, publica um poema nupcial dedicado à filha do Ministro Conde de Oeiras, o futuro Marquês de Pombal, e passa a ser prestigiado junto à Corte. É eleito sócio correspondente da Academia das Ciências, em 1795, ano em que morreu. Sua obra mais significativa é o poema épico O Uraguai.
Publicado em 1769, O Uraguai, epopéia escrita em cinco cantos, em versos decassílabos brancos e sem estrofação, narra um episódio importante da História do Brasil e da América do Sul: a guerra pela definição de fronteiras perpetrada pela Companhia de Jesus, tendo, de um lado, jesuítas espanhóis – que fundaram os Sete Povos das Missões às margens do Rio Uraguai – e, de outro, jesuítas portugueses, que ocupavam uma região na foz do Rio da Prata, a Nova Colônia do Santíssimo Sacramento, ponto situado no extremo sul dos domínios espanhóis.
O Tratado de Madri (1750) determinava a troca de ambas as colônias, sendo dois representantes enviados para a negociação: Gomes Freire de Andrade, de Portugal, e o Marquês de Valdelírios, da Espanha. A Cia. de Jesus, porém, tinha como suas as terras tanto espanholas quanto portuguesas, ou seja, havia um terceiro poder, a Igreja, a disputar esse espaço. A facção espanhola armou os índios, que para enfrentar o exército português, a fim de derrotá-lo e converter sua vitória para a Companhia, que ao final foi derrotada. Gomes Freire pretendia, apesar do conflito, aliar-se aos espanhóis para efetuar o acordo. Mas estes, assustados com a esterilização dos campos que alimentavam o gado e os cavalos, aconselharam os lusitanos a baterem em retirada. Gomes Freire não se rende e a guerra inicia-se.
No canto I, as tropas aliadas se reúnem para combater os índios. No canto II, o exército avança e há uma tentativa de negociação com os chefes indígenas Cepé e Cacambo. Não havendo acordo, trava-se a luta, que termina com a derrota e a derrota e a retirada dos índios. No canto III, Cacambo ateia fogo à vegetação em volta do acampamento aliado e foge para sua aldeia. O padre Balda manda prender e matar Cacambo, para que seu filho sacrílego Baldeta possa casar-se com Lindóia, esposa de Cacambo, e tomar posição do chefe indígena morto. Lindóia, em uma visão, prevê o terremoto de Lisboa e a expulsão dos jesuítas por Pombal. No canto IV, são retratados os preparativos do casamento de Baldeta com Lindóia. Esta, chorando a morte do marido e não desejando casar-se, entra num bosque e deixa-se picar por uma cobra venenosa. Chegam os brancos, que cercam a aldeia. Todos fogem; antes, porém, os padres mandam queimar as casas e a igreja. No quinto e último canto, O líder português Gomes Freire de Andrade prende os inimigos na aldeia próxima, e há referências ao domínio universal da Companhia de Jesus e a seus crimes. Os índios foram massacrados neste que foi um dos mais sangrentos episódios da História do Brasil.
Caramuru
Nascido em Cata Preta (MG), em 1722, e falecido em Lisboa, em 1784, Santa Rita Durão fez seus estudos na Ordem de Santo Agostinho, em Portugal, onde foi ordenado padre agostiniano e lecionou teologia na Universidade de Coimbra. Durante o governo de Pombal, foi perseguido e abandonou Portugal. Trabalhou em Roma como bibliotecário até a queda de seu grande inimigo, retornando, então, ao país luso. Em 1781, publica o seu poema épico Caramuru.
Caramuru é um poema épico escrito sob os moldes camonianos: dez cantos, versos decassílabos, organizados em oitava rela (com rimas ABABABCC) em que são narradas as lendárias aventuras de Diogo Álvares Correia, náufrago no Recôncavo da Bahia no século XVI. Seus companheiros de naufrágio foram devorados pelos índios; ele, porém, teria se salvado, dando um tiro de espingarda que impressionou tanto os nativos que passaram a respeitá-lo e lhe deram o nome de Caramuru, que significa “filho do trovão”. Esse contato rende a Diogo Álvares Correia, além do prestígio como guerreiro, o assédio das moças da tribo, especialmente Moema. Apaixona-se, entretanto, por Paraguaçu, a linda filha do cacique da tribo, e com ela retorna a Portugal, pegando “carona” num navio francês. Casa-se com ela, leva-a à Corte francesa, onde é batizada em ritual católico por Catarina de Médicis.
Trata-se de uma obra nativista, em que o autor prima por detalhar a fauna, as riquezas minerais brasileiras, bem como os costumes indígenas. Essas mostras de erudição, ao gosto enciclopédico da época, trazem pesadas lições de zoologia, história, folclore, geografia e religião, em prejuízo do tom épico e lírico do poema, quebrando-lhe seqüência de ação e a intensidade emocional da obra.
Contudo, a finalidade expressa em Caramuru é descrever o início da colonização da Bahia, por obra, sobretudo, de Diogo Álvares Correia e sua mulher, Paraguaçu. Simultaneamente, há um desígnio mais importante para o poeta: a redenção do índio pela conversão. A violência e a opressão são disfarçadas pelo tratamento poético que Durão emprega no discurso ideológico do texto. O poeta parece aderir à causa, isto é, à guerra, contemplando-a com fascinação. Ressalta-se que Caramuru foge de uma característica presente nas antigas epopéias, pois suprime o maravilhoso, isto é, a fantasia do texto, haja vista que, por se tratar de um texto neoclássico, a razão é o fio condutor da narrativa. A epopéia de Santa Rita Durão pode ser chamada de épico colonialista, pois glorifica as ideologias e métodos da Metrópole portuguesa no processo de colonização do Brasil.
É sabido que Caramuru é uma resposta a O Uraguai, de Basílio da Gama, cujo pombalismo ilustrado estava próximo daquilo que em seu tempo era considerado o “progresso”. Todavia, em Caramuru, a visão laica e civil de O Uraguai é banida, fazendo, nesse sentido, a epopéia de Durão um antagonista ideológico de seu antecessor. Enfim, observa-se que, a despeito de ambas as obras serem consideradas as principais epopéias árcades, mineiras e indianistas, elas são, na verdade, um par antitético: Caramuru, em sua estrutura camoniana, devota e jesuítica, é claramente uma réplica a O Uraguai, à Ilustração portuguesa, à pseudo-epopéia voltaireana, pombalina e antijesuítica.
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário