As discussões sobre a “literatura culta” e a “literatura de massa” têm sido levantadas desde a primeira metade do século XIX. O cinema, cujo caminho per aspera ad astra só foi consolidado a partir da década de 1950, com a revista Cahiers du Cinéma e a ascensão do cinema europeu pós-guerra, está novamente tendo de provar o seu valor frente às novidades tecnológicas e a banalização do conceito de arte.
Adorno foi um crítico feroz da chamada sétima arte, afirmando que
“O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade de que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus produtos.” (p. 57)
Com dor no coração os cinéfilos têm de concordar com o mestre de Frankfurt, pois se compararmos, por exemplo, o “lixo em película” que produzem estúdios como Miramax, Dreamworks, Warner Bros., Universal e Paramount com a arte verdadeira, teremos de admitir que o cinema não é arte. Adorno, após assistir a filmes de Chaplin e Antonioni, atenuou o seu discurso exacerbado contra o cinema, mas se ele ainda estivesse vivo para assistir a lixos como Quarteto Fantástico, As Crônicas de Nárnia, X-Men, Hulk, 300, a série sem fim dos filmes do Homem-Aranha, Todo Mundo em Pânico, as comédias românticas estreladas por Mark Ruffalo, Ashton Kutcher e Jennifer Anniston, as imbecis comédias de Rob Schneider, Adam Sandler, Irmãos Wayans e Cia., os filmes de terror importados do Japão (onde o único conteúdo é o banho de sangue e as vísceras mutiladas), os épicos pseudo-históricos de Kevin Costner, Mel Gibson e Oliver Stone, entre tantas outras bobagens que o cinema hollywoodiano produziu nas últimas décadas.
A derrocada da arte cinematográfica foi inaugurada com Guerra nas Estrelas e o “show de efeitos especiais”, porque, desde esse produto industrial (não filme), tudo quanto aconteceu foi meramente produto de consumo para um público desprovido de qualquer senso estético e intelectual. O que Adorno diz a respeito dos filmes de Hollywood da década de 30 e 40 é perfeitamente adequado ao que acontece nos nossos dias. É o eterno retorno da mediocridade. Segundo Adorno
“Cada filme é um trailer do filme seguinte, que promete reunir mais uma vez sob o mesmo sol exótico o mesmo par de heróis; o retardatário não sabe se está assistindo ao trailer ou ao filme mesmo. O caráter de montagem da indústria cultural, a fabricação sintética e dirigida de seus produtos, que é industrial não apenas no estúdio – cinematográfico, mas também (pelo menos virtualmente) na compilação das biografias baratas, romances-reportagem e canções de sucesso, já estão adaptados de antemão à publicidade: na medida em que cada elemento se torna separável, fundível e também tecnicamente alienado à totalidade significativa, ele se presta a finalidades exteriores à obra. O efeito, o truque, cada desempenho isolado e receptível foram sempre cúmplices da exibição de mercadorias para fins publicitários, e atualmente todo close de uma atriz de cinema serve de publicidade de seu nome, todo sucesso tornou-se um plug de sua melodia. Tanto técnica quanto economicamente, a publicidade e a indústria cultural se confundem.” (P. 77)
A publicidade, menina dos olhos do capitalismo medíocre, é, indubitavelmente, a cafetina cultural, uma espécie de prostituta que corrompe àqueles que têm ânsia de fama e do sucesso, os quais são conseqüência da própria publicidade, uma filha prostituída da burguesia tardia. Trata-se de um círculo vicioso sem esperança de salvação, haja vista que quem não se submete a esse lucrativo pacto com o demônio terá de vender a alma por uma esmola.
Contudo, “o cinema de arte” dá, heroicamente, os seus últimos suspiros no circuito independente, ao produzir filmes herméticos e desprovidos de qualquer narrativa (como se contar uma história fosse um pecado capital), na tentativa de tirar do coma um paciente que cansou de lutar contra si mesmo, contra sua própria natureza. Nas cerimônias do Oscar, assistimos aos filmes pseudo-artísticos como: Adaptação, Billy Elliot, Desejo e Reparação, Milk, etc. O único mérito destes filmes é não ter o mesmo público de As Branquelas, porque o máximo que o espectador vai levar para a casa é uma enxaqueca ou uma indigestão. Os chamados filmes americanos de arte do século XXI conseguem ser mais chatos e indigestos do que uma aula de gramática da língua portuguesa sobre as Orações Subordinadas Substantivas Objetivas Diretas e Indiretas, independente de quem seja o professor. E os vencedores em Veneza e em Cannes, então?
Creio que o falecimento, em 2007, de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni tem um significado simbólico: a morte do cinema, da arte cinematográfica. Ora, morreram na década de 70: Visconti, Fitz Lang, Renoir, Rossellini e Pasolini; na década de 80, Welles, Hitchcock, Truffaut, Buñuel e Tarkovski; e, na década de 90, Kubrick, Fellini, David Lean e Kurosawa. Não quero agourar ninguém, mas depois que Godard, Resnais e Woody Allen morrerem, quem representará o cinema? Martin Scorsese? Francis Ford Coppola? Almodóvar ou Steven Spielberg? Não, nenhum desses é digno de representar a arte de Chaplin e Bergman. Diante disto, cabe a constatação: O cinema morreu, e foi a mesma burguesia que o criou que o matou! Quer dizer, não a mesma... Daquela nasceu o cinema, da de hoje não vale a pena enumerar um a um, seriam necessárias horas até que eu termine... E Eu já estou farto deste velório. Fica somente a saudade, assistindo, no meu DVD, a filmes como Aurora, A Doce Vida, A Regra do Jogo, Crepúsculo dos Deuses... O resto é silêncio.
REFERÊNCIAS
ADORNO, THEODOR & HORKHEIMER, MAX. A DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO. VERSÃO E-BOOK.
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
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