sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

VILÕES

Em 2005, o AFI lançou uma lista com os 50 maiores vilões e 50 maiores heróis da história do cinema americano. Contudo, o mais interessante são os primeiros, posto que os heróis são sempre parecidos, isto é, virtuosos, bonzinhos, caridosos e, sobretudo, insossos. Encabeçam a lista do AFI:

1º - Hannibal Lecter, de O silêncio dos Inocentes; 2º - Norman Bates, de Psicose; 3º - Darth Vader, de Star Wars; 4º - A bruxa má do Oeste, de O Mágico de Oz;...

Como não poderia deixar de ser, os grandes vilões da história do cinema foram injustiçados: Alex, de Laranja Mecânica, amargou a 12ª posição; enquanto Eve Harrington, de A Malvada, ficou com a modesta 23ª posição.

Falando de vilão, nada pior do que assistir aos exageros maniqueístas das vilãs de novela das 8, como a Nazaré, de Senhora do Destino, e aos mutantes da novela da Record (ainda bem que acabou aquela droga). Sem querer posar de intelectual, mas, na televisão, não há nada que se equipare ao Edmundo de Rei Lear, ou ao Ricardo III, ou Henrique VIII, ou Macbeth, ou, principalmente, ao Iago, de Otelo, o maior vilão de todos os tempos, cuja maldade causaria inveja ao próprio diabo.

Bons tempos aqueles em que o que era bom e o que era mau eram bem distintos, hoje, tudo se confunde, e o que impera é a lei do politicamente correto, ou melhor, "in-politicamente" correto, pois, a política é um espaço democrático aberto às diferentes opiniões.

Hoje, todos têm de ser bonzinhos, e o vilão perdeu seu espaço para o maniqueísmo sensacionalista.

Ai, que saudades de Mefistófeles...

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

ANÁLISE DE "O NOIVADO DO SEPULCRO", DE SOARES DE PASSOS

O NOIVADO DO SEPULCRO

Balada

Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soouu;
Que paz tranqüila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.

Que paz tranqüila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
Dentre os sepulcros a cabeça ergueu.

Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na mormórea cruz.

Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.

Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre os ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:

"Mulher formosa, que adorei na vida,
E que na tumba não cessei de amar,
Por que atraiçoas, desleal, mentida,
O amor eterno que te ouvi jurar?

Amor! engano que na campa finda,
Que a morte despe da ilusão falaz:
Quem dentre os vivos se lembrara ainda
Do pobre morto que na terra jaz?

Abandonado neste chão repousa
Há já três dias, e não vens aqui...
Ai, quão pesada me tem sido a lousa
Sobre este peito que bateu por ti!

Ai qão pesada me tem sido!"e em meio
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.

"Talvez que rindo dos prostestos nossos,
Gozes com outro d'infernal prazer;
E o olvido cobrirá meus ossos
Na fria terra sem vingança ter!"-

"Ó nunca, nunca!" de saudade infinita,
Responde um eco suspirando além...-
"Ó nunca, nunca!" repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços tem.

Cobrem-lhe as formas divinais, airosas.
Longas roupagens de nevado cor;
Singela c'roa de virgíneas rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.

"Não, não perdeste meu amor jurado:
Vês este peito? reina a morte aqui...
É já sem forças, ai de mim, gelado,
Mas ainda pulsa com amor por ti.

Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
Da sepultura, sucumbindo à dor:
Deixei a vida... que importava o mundo,
O mundo em trevas sem a luz do amor?

Saudosa ao longe vês no céu a lua?"-
"Ó vejo sim... recordação fatal"-
Foi à luz dela que jurei ser tua
Durante a vida, e na mansão final.

Ó vem! se nunca te cingi ao peito,
Hoje o sepulcro nos reúne enfim...
Quero o repouso do teu frio leito,
Quero-te unido para sempre a mim!

"E ao som dos pios co cantor funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério
Foi celebrado, d'infeliz amor.

Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.

Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só.

ANÁLISE INTERPRETATIVA

Antônio Augusto Soares de Passos, ou simplesmente Soares de Passos, faz parte da segunda geração do romantismo português, o ultra-romantismo, que foi influenciado, decisivamente, pela poesia pessimista e sentimental do britânico Lord Byron. “O Noivado do Sepulcro”, poema mais célebre de Soares de Passos, exemplifica, de acordo com Massaud Moisés, “à perfeição a psicologia que informava o Ultra-Romantismo”. (MOISÉS, 1974, p. 281)

O poema, composto por dezenove quadras em versos decassílabos, conta, grosso modo, a história de um amor que supera a morte, a partir de um casal de esqueletos, e a estrutura rítmica segue o esquema: A, B, A, B. As principais características do ultra-romantismo encontram-se em “O Noivado do Sepulcro”.

O ambiente fantasmagórico, mágico, “negro”, funéreo, o exagerado tom melodramático que beira a pieguice, o amor etéreo, idealizado, acima de todas as convenções sociais, e até mesmo, “espirituais”, haja vista o noivado “além-túmulo”, a relação de amor e morte, não raro dotado de excessiva teatralidade, o ímpeto desmedido, irracional, o anseio pelo infinito, a alienação, o clima noturno, os ideais transcendentais, tudo isto está presente neste poema de Soares de Passos.

Na primeira estrofe, percebe-se o valor da morte como o remédio apaziguador do espírito, como a cura da alma, ou seja, a valorização do ideal, em detrimento do mundo terreno, efêmero, corrompido pela sociedade burguesa e suas convenções mesquinhas. Na segunda estrofe, insere-se o elemento fantástico a partir do fantasma que se levanta de seu sepulcro.

O décimo verso, presente na terceira estrofe, apresenta uma contradição bem ao gosto dos poetas românticos: “Campeia a lua com sinistra luz”. A importância do significado da noite no pensamento romântico é fato conhecido. Em oposição às “luzes” do iluminismo, o romantismo faz questão de colocar a “noite”, isto é, o obscuro, o irracional, como princípio de sua filosofia. De acordo com Albert Béguin, “De la múltiple y contradictoria herencia del siglo XVIII, el romántico recoge de preferencia las afirmaciones irracionalistas o las tradiciones místicas”. (BÉGUIN, 1993, p. 25) Por isso, a “sinistra luz” não se refere, unicamente, ao luar de uma noite macabra, mas também, e, sobretudo, ao pensamento extremamente racionalista do iluminismo.

Na sexta, sétima e oitava estrofes, o discurso do eu - lírico é substituído pela personagem principal do poema, que é o homem que, mesmo morto, continua a amar sua “namorada”, acreditando, porém, que ela não mais o ama. “Por que atraiçoas, desleal, mentida,/ O amor eterno que te ouvi jurar?” As lamentações só cessam quando ele ouve o eco da voz de sua amada, dizendo-lhe que nunca quebrara a promessa de amor eterno.

O trigésimo sétimo e o trigésimo oitavo versos, “Talvez que rindo dos protestos nossos,/ Gozes com outro d’infernal prazer;”, revela o ciúme injustificado do amante em relação à sua amada e apresenta o ato sexual, ou seja, a consumação carnal do amor idealizado, como algo impuro, devasso, em suma, “infernal”; por outro lado, a expressão “protestos nossos” demonstra o espírito de revolta do romantismo, neste caso, lutar contra as convenções sociais em nome de um amor que ultrapassa qualquer fronteira. Fica, portanto, subentendido que o casal enfrentou, durante a vida, dificuldades frente à sociedade, e o amante quer que sua amada honre o seu juramento de fidelidade depois de tantas agruras.

Nas estrofes 13 e 14, a mulher confirma a promessa de amor feita a ele, à luz do luar. A promessa de amor eterno do casal está presente nos versos 59 e 60, “Foi à luz dela que jurei ser tua/ Durante a vida, e na mansão final.”

As quatro últimas estrofes narram o encontro do casal num só sepulcro, celebrando, por fim, a promessa de união eterna. “(...) uma tumba funeral vazia. (...). Dois esqueletos, um ao outro unido,/ Foram achados num sepulcro só.” Em suma, nem a morte foi capaz de vencer o amor. Nada poderia ser mais tipicamente romântico.

De acordo com Massaud Moisés,

“Hoje a balada e a tendência literária em que se inscreve, cheiram a coisas peremptas ou amarradas a uma tábua de valores superados. Todavia, há que ter em conta a psicose ultra-romântica quando se pretende rastrear as origens de alguns “ismos” modernos, como o Existencialismo ou, de certo modo, o Surrealismo.” (MOISÉS, 1974, p. 282)

REFERÊNCIAS

BÉGUIN, Albert. El Alma Romántica y el Sueño: Ensayo sobre el romanticismo alemán y la poesía francesa. Trad.: Mario Monteforte Toledo. Madrid: Fondo de Cultura Economica, 1993.

MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 6ª Ed. São Paulo: Cultrix, 1974.

A EPOPEIA ÁRCADE BRASILEIRA

A epopéia é um gênero literário que se caracteriza pela narração de feitos históricos de uma nação, representada pela figura de um herói. O herói épico atua como modelo de inteligência, coragem e beleza. Surgidas na Grécia Antiga as primeiras epopéias são: A Odisséia e Ilíada, de Homero. Em língua portuguesa, a mais importante epopéia são Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões. No Brasil, a primeira epopéia foi Prosopopéia, de Bento Teixeira, publicada em 1601 e precursora do Barroco no Brasil. No Arcadismo, tivemos três epopéias: O Uraguai, de Basílio da Gama, Caramuru, de Santa Rita Durão, e Vila Rica, de Cláudio Manuel da Costa, no entanto, são as duas primeiras os maiores representantes desse gênero no período árcade.

O Uraguai

Basílio da Gama nasceu em Tiradentes (MG), em 1741, e morreu em Lisboa, em 1795. Estudou com os padres jesuítas no Rio de Janeiro, que foram expulsos, em 1759, pelo Marquês de Pombal, e seguiu, em 1760, para Roma, onde ingressou na Arcádia Romana sob o pseudônimo de Termindo Sipílio, em 1763. Em 1767, retorna ao Brasil, e um ano mais tarde é mandado preso a Lisboa por jesuitismo. Sua pena era 8 anos de degredo em Angola, porém, publica um poema nupcial dedicado à filha do Ministro Conde de Oeiras, o futuro Marquês de Pombal, e passa a ser prestigiado junto à Corte. É eleito sócio correspondente da Academia das Ciências, em 1795, ano em que morreu. Sua obra mais significativa é o poema épico O Uraguai.

Publicado em 1769, O Uraguai, epopéia escrita em cinco cantos, em versos decassílabos brancos e sem estrofação, narra um episódio importante da História do Brasil e da América do Sul: a guerra pela definição de fronteiras perpetrada pela Companhia de Jesus, tendo, de um lado, jesuítas espanhóis – que fundaram os Sete Povos das Missões às margens do Rio Uraguai – e, de outro, jesuítas portugueses, que ocupavam uma região na foz do Rio da Prata, a Nova Colônia do Santíssimo Sacramento, ponto situado no extremo sul dos domínios espanhóis.

O Tratado de Madri (1750) determinava a troca de ambas as colônias, sendo dois representantes enviados para a negociação: Gomes Freire de Andrade, de Portugal, e o Marquês de Valdelírios, da Espanha. A Cia. de Jesus, porém, tinha como suas as terras tanto espanholas quanto portuguesas, ou seja, havia um terceiro poder, a Igreja, a disputar esse espaço. A facção espanhola armou os índios, que para enfrentar o exército português, a fim de derrotá-lo e converter sua vitória para a Companhia, que ao final foi derrotada. Gomes Freire pretendia, apesar do conflito, aliar-se aos espanhóis para efetuar o acordo. Mas estes, assustados com a esterilização dos campos que alimentavam o gado e os cavalos, aconselharam os lusitanos a baterem em retirada. Gomes Freire não se rende e a guerra inicia-se.

No canto I, as tropas aliadas se reúnem para combater os índios. No canto II, o exército avança e há uma tentativa de negociação com os chefes indígenas Cepé e Cacambo. Não havendo acordo, trava-se a luta, que termina com a derrota e a derrota e a retirada dos índios. No canto III, Cacambo ateia fogo à vegetação em volta do acampamento aliado e foge para sua aldeia. O padre Balda manda prender e matar Cacambo, para que seu filho sacrílego Baldeta possa casar-se com Lindóia, esposa de Cacambo, e tomar posição do chefe indígena morto. Lindóia, em uma visão, prevê o terremoto de Lisboa e a expulsão dos jesuítas por Pombal. No canto IV, são retratados os preparativos do casamento de Baldeta com Lindóia. Esta, chorando a morte do marido e não desejando casar-se, entra num bosque e deixa-se picar por uma cobra venenosa. Chegam os brancos, que cercam a aldeia. Todos fogem; antes, porém, os padres mandam queimar as casas e a igreja. No quinto e último canto, O líder português Gomes Freire de Andrade prende os inimigos na aldeia próxima, e há referências ao domínio universal da Companhia de Jesus e a seus crimes. Os índios foram massacrados neste que foi um dos mais sangrentos episódios da História do Brasil.

Caramuru

Nascido em Cata Preta (MG), em 1722, e falecido em Lisboa, em 1784, Santa Rita Durão fez seus estudos na Ordem de Santo Agostinho, em Portugal, onde foi ordenado padre agostiniano e lecionou teologia na Universidade de Coimbra. Durante o governo de Pombal, foi perseguido e abandonou Portugal. Trabalhou em Roma como bibliotecário até a queda de seu grande inimigo, retornando, então, ao país luso. Em 1781, publica o seu poema épico Caramuru.

Caramuru é um poema épico escrito sob os moldes camonianos: dez cantos, versos decassílabos, organizados em oitava rela (com rimas ABABABCC) em que são narradas as lendárias aventuras de Diogo Álvares Correia, náufrago no Recôncavo da Bahia no século XVI. Seus companheiros de naufrágio foram devorados pelos índios; ele, porém, teria se salvado, dando um tiro de espingarda que impressionou tanto os nativos que passaram a respeitá-lo e lhe deram o nome de Caramuru, que significa “filho do trovão”. Esse contato rende a Diogo Álvares Correia, além do prestígio como guerreiro, o assédio das moças da tribo, especialmente Moema. Apaixona-se, entretanto, por Paraguaçu, a linda filha do cacique da tribo, e com ela retorna a Portugal, pegando “carona” num navio francês. Casa-se com ela, leva-a à Corte francesa, onde é batizada em ritual católico por Catarina de Médicis.

Trata-se de uma obra nativista, em que o autor prima por detalhar a fauna, as riquezas minerais brasileiras, bem como os costumes indígenas. Essas mostras de erudição, ao gosto enciclopédico da época, trazem pesadas lições de zoologia, história, folclore, geografia e religião, em prejuízo do tom épico e lírico do poema, quebrando-lhe seqüência de ação e a intensidade emocional da obra.

Contudo, a finalidade expressa em Caramuru é descrever o início da colonização da Bahia, por obra, sobretudo, de Diogo Álvares Correia e sua mulher, Paraguaçu. Simultaneamente, há um desígnio mais importante para o poeta: a redenção do índio pela conversão. A violência e a opressão são disfarçadas pelo tratamento poético que Durão emprega no discurso ideológico do texto. O poeta parece aderir à causa, isto é, à guerra, contemplando-a com fascinação. Ressalta-se que Caramuru foge de uma característica presente nas antigas epopéias, pois suprime o maravilhoso, isto é, a fantasia do texto, haja vista que, por se tratar de um texto neoclássico, a razão é o fio condutor da narrativa. A epopéia de Santa Rita Durão pode ser chamada de épico colonialista, pois glorifica as ideologias e métodos da Metrópole portuguesa no processo de colonização do Brasil.

É sabido que Caramuru é uma resposta a O Uraguai, de Basílio da Gama, cujo pombalismo ilustrado estava próximo daquilo que em seu tempo era considerado o “progresso”. Todavia, em Caramuru, a visão laica e civil de O Uraguai é banida, fazendo, nesse sentido, a epopéia de Durão um antagonista ideológico de seu antecessor. Enfim, observa-se que, a despeito de ambas as obras serem consideradas as principais epopéias árcades, mineiras e indianistas, elas são, na verdade, um par antitético: Caramuru, em sua estrutura camoniana, devota e jesuítica, é claramente uma réplica a O Uraguai, à Ilustração portuguesa, à pseudo-epopéia voltaireana, pombalina e antijesuítica.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O POETA DO HEDIONDO – A AGONIA DE AUGUSTO DOS ANJOS

Talvez a palavra que melhor defina o indefinível Augusto dos Anjos seja frustração. Embora tenha vivido em um período em que as vanguardas literárias do séc. XIX eclodiam e confluíam umas com as outras, o poeta não pode ser rotulado de parnasiano, apesar de que a maioria dos poemas de sua única obra, Eu (1912), sejam sonetos, forma poética muito cultivada durante o Parnasianismo; Augusto dos Anjos também não se enquadra ao Naturalismo, a despeito do cientificismo dos vocábulos presentes em seus poemas, além do realismo cru com que o poeta descrevia o seu universo; Sua obra também não pode ser classificada de Simbolista, embora Augusto recorresse ao misticismo e a musicalidade, característica do movimento surgido na França, cujos principais representantes eram Baudelaire, Rimbaud, Verlaine e Mallarmé.

Para compreender o deslocamento do poeta em relação à época em que viveu, convencionou-se enquadrá-lo ao Pré-Modernismo, apesar de sua obra colidir com as características e ideais nacionalistas do movimento, além de não contribuir nas inovações formais que caracterizaram o Pré-Modernismo.

Augusto dos Anjos é o poeta da frustração, dos sonhos perdidos, da desesperança, da descrença na humanidade. Ele é “aquele que ficou sozinho, cantando sobre os ossos do caminho a poesia de tudo quanto é morto”, como definiu a si mesmo em “O Poeta do Hediondo”, soneto presente em Eu, publicado em 1912. Farei uma breve análise do soneto “Agonia de um filósofo”, o segundo poema de Eu e outras poesias.

AGONIA DE UM FILÓSOFO
Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto
Rig-Veda. E, ante obras tais, me não consolo...
O Inconsciente me assombra e eu nele rolo
Com a eólica fúria do harmatã inquieto!

Assisto agora à morte de um inseto!...
Ah! todos os fenômenos do solo
Parecem realizar de pólo a pólo
O ideal do Anaximandro de Mileto!

No hierático areópago heterogêneo
Das idéias, percorro como um gênio
Desde a alma de Haeckel à alma cenobial!...

Rasgo dos mundos o velário espesso;
E em tudo igual a Goethe, reconheço
O império da substância universal!
(ANJOS, 2004, p. 37)

A presença de vocábulos estrangeiros, neste caso, nomes próprios, bem como a freqüência de termos filosóficos e científicos marca a obra de Augusto dos Anjos. Temos diante de nós: Phtah-Hotep, o sábio egípcio, Rig-Veda, livros de sabedoria dos hindus, Anaximandro de Mileto, filósofo grego, Haeckel, cientista, e Goethe, um dos maiores pensadores da história da humanidade. O eu - lírico afirma que todo o saber proveniente dessa verdadeira “enciclopédia do conhecimento” é tão vazio quanto sua própria filosofia.

“Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto
Rig-Veda. E, ante obras tais, me não consolo...”

“Rasgo dos mundos o velário espesso;
E em tudo igual a Goethe, reconheço
O império da substância universal!”

O “velário espesso” pode ser interpretado como o “véu de maia” do hinduísmo de que Schopenhauer fala em O Mundo como Vontade e Representação, a respeito da representação (o mundo dos fenômenos) que encobre a essência das coisas, a Vontade. Basta lembrar que o poeta teve contato com a obra do genial filósofo alemão, como podemos encontrar nos versos de “O Meu Nirvana”:

“Nessa manumissão schopenhauereana,
Onde a Vida do humano aspecto fero
Se desarraiga, eu, feito força, impero
Na imanência da Idéia Soberana!”
(ANJOS, 2004, p. 128-129)

O filósofo do título do soneto é ele mesmo, Augusto dos Anjos. Só que ao contrário da intenção de transcendência da filosofia (amar o saber), o filósofo se dá conta da sua insuficiência diante da incompreensão do mundo, e a ânsia pelo absoluto fracassa na limitação do ser humano, como se o verdadeiro conhecimento fosse inalcançável ao homem, constatação de Kant em Crítica da Razão Pura. É da incapacidade, da limitação, do fato do homem ser um Deus acorrentado a um corpo que apodrece (Becker), do simples fato de o homem ser mortal, ser-apenas-humano, e não intelecto puro, é que nasce a agonia. O homem pensa, o homem é quase um Deus, mas ele sofre por estar preso pelas barreiras do “quase”, sofre porque pensa e, pelo fato de pensar, sabe que vai morrer.

“O Inconsciente me assombra e eu nele rolo
Com a cólica fúria do harmatã inquieto!”

As descobertas da psicanálise a respeito dos mecanismos do subconsciente, por Sigmund Freud, são contemporâneas às inquietações do poeta, bem como a teoria de Ernst Haeckel de que aquilo que entendemos por viver, ou seja, a vida, não passa de fenômenos químicos, como a combustão do carbono. “Então era isso a vida?”, como disse Nietzsche. Augusto dos Anjos não se conforma com isso. Como pode a vida originar-se do fenômeno químico, se a essência da vida é em-si, e os fenômenos são para-si? Há uma causa primeira para todas as coisas, pois “do nada nada vem”. Este, aliás, é o axioma do pré-socrático Anaximandro de Mileto.

“Ah! todos os fenômenos do solo
Parecem realizar de pólo a pólo
O ideal do Anaximandro de Mileto!”

Para o filósofo, o princípio universal é uma substância indefinida, o ápeiron (ilimitado). Deste ápeiron, infinito, eterno, em movimento perpétuo e dotado de vida e imortalidade derivam os diferentes corpos por um processo de separação. Em suma, tudo deriva de uma mesma matéria, tudo seria, nos termos de Schopenhauer, Vontade, ou seja, um querer cego e irracional e sem qualquer finalidade é o princípio de todas as coisas. No princípio era o caos, como pensavam os gregos antigos. Para Augusto dos Anjos, o fim também será assim.

REFERÊNCIAS:
ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. São Paulo: Martin Claret, 2004.

O LUCRO DE UNS É O PREJUÍZO DE OUTROS

“O ateniense Demades condenou um homem de sua cidade, cujo ofício era vender as coisas necessárias para os enterros, sob o pretexto de que seu comércio queria tirar demasiado proveito e de que tal lucro não podia ser alcançado sem a morte de muitas pessoas. Essa sentença me parece errada, tanto mais, porque nenhum proveito nem vantagem se alcançam sem o prejuízo dos demais; segundo esse juízo havia de se condenar, como ilegítimas, todo tipo de ganâncias; o lavrador se aproveita da falta do trigo; o arquiteto, da destruição das construções; os procuradores de justiça, dos litígios processuais que constantemente têm lugar entre os homens; a própria honra e prática dos representantes da religião deve-se a nossa morte e aos nossos vícios; a nenhum médico lhe é agradável sequer a saúde de seus próprios amigos, disse um autor cômico grego, nem a nenhum soldado o sossego de sua cidade, e assim sucessivamente. Pode-se acrescentar ainda: examine a cada um nos desejos mais recônditos de seu espírito, e encontrará que nossos mais íntimos desejos, na maioria dos casos, nascem e se alimentam a custa de nossos semelhantes. Tudo isto considerado, convenço-me de que a natureza não se contradiz neste ponto em seu progresso geral, pois os naturalistas asseguram que o nascimento, nutrição e multiplicação de cada coisa tem sua origem na putrefação e destruição de outra.”

REFERÊNCIAS:
Ensaios, de Michel de Montaigne. Tradução livre da edição espanhola

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

AS ROSAS DO CUME, Laurindo Rabelo

No cume da minha serra
Eu plantei uma roseira,
Quanto mais as rosas brotam
Tanto mais o cume cheira.

À tarde, quando o sol posto,
E o vento no cume adeja,
Vem travessa borboleta,
E as rosas o cume beija.

No tempo das invernadas,
Que as plantas do cume lavam,
Quanto mais molhadas eram
Tanto mais no cume davam.

Mas se as águas vêm correntes,
E o sujo do cume limpam,
Os botões do cume abrem,
As rosas do cume grimpam.

Tenho, pois, certeza gora
Que no tempo de tal regra,
Arbusto por mais cheiroso
Plantado no cume pega.

Ah! Porém o sol brilhante
Seca logo a catadupa;
O calor que a terra abrasa
As águas do cume chupa!

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A MORTE DO CINEMA

As discussões sobre a “literatura culta” e a “literatura de massa” têm sido levantadas desde a primeira metade do século XIX. O cinema, cujo caminho per aspera ad astra só foi consolidado a partir da década de 1950, com a revista Cahiers du Cinéma e a ascensão do cinema europeu pós-guerra, está novamente tendo de provar o seu valor frente às novidades tecnológicas e a banalização do conceito de arte.

Adorno foi um crítico feroz da chamada sétima arte, afirmando que

“O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade de que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus produtos.” (p. 57)

Com dor no coração os cinéfilos têm de concordar com o mestre de Frankfurt, pois se compararmos, por exemplo, o “lixo em película” que produzem estúdios como Miramax, Dreamworks, Warner Bros., Universal e Paramount com a arte verdadeira, teremos de admitir que o cinema não é arte. Adorno, após assistir a filmes de Chaplin e Antonioni, atenuou o seu discurso exacerbado contra o cinema, mas se ele ainda estivesse vivo para assistir a lixos como Quarteto Fantástico, As Crônicas de Nárnia, X-Men, Hulk, 300, a série sem fim dos filmes do Homem-Aranha, Todo Mundo em Pânico, as comédias românticas estreladas por Mark Ruffalo, Ashton Kutcher e Jennifer Anniston, as imbecis comédias de Rob Schneider, Adam Sandler, Irmãos Wayans e Cia., os filmes de terror importados do Japão (onde o único conteúdo é o banho de sangue e as vísceras mutiladas), os épicos pseudo-históricos de Kevin Costner, Mel Gibson e Oliver Stone, entre tantas outras bobagens que o cinema hollywoodiano produziu nas últimas décadas.

A derrocada da arte cinematográfica foi inaugurada com Guerra nas Estrelas e o “show de efeitos especiais”, porque, desde esse produto industrial (não filme), tudo quanto aconteceu foi meramente produto de consumo para um público desprovido de qualquer senso estético e intelectual. O que Adorno diz a respeito dos filmes de Hollywood da década de 30 e 40 é perfeitamente adequado ao que acontece nos nossos dias. É o eterno retorno da mediocridade. Segundo Adorno

“Cada filme é um trailer do filme seguinte, que promete reunir mais uma vez sob o mesmo sol exótico o mesmo par de heróis; o retardatário não sabe se está assistindo ao trailer ou ao filme mesmo. O caráter de montagem da indústria cultural, a fabricação sintética e dirigida de seus produtos, que é industrial não apenas no estúdio – cinematográfico, mas também (pelo menos virtualmente) na compilação das biografias baratas, romances-reportagem e canções de sucesso, já estão adaptados de antemão à publicidade: na medida em que cada elemento se torna separável, fundível e também tecnicamente alienado à totalidade significativa, ele se presta a finalidades exteriores à obra. O efeito, o truque, cada desempenho isolado e receptível foram sempre cúmplices da exibição de mercadorias para fins publicitários, e atualmente todo close de uma atriz de cinema serve de publicidade de seu nome, todo sucesso tornou-se um plug de sua melodia. Tanto técnica quanto economicamente, a publicidade e a indústria cultural se confundem.” (P. 77)


A publicidade, menina dos olhos do capitalismo medíocre, é, indubitavelmente, a cafetina cultural, uma espécie de prostituta que corrompe àqueles que têm ânsia de fama e do sucesso, os quais são conseqüência da própria publicidade, uma filha prostituída da burguesia tardia. Trata-se de um círculo vicioso sem esperança de salvação, haja vista que quem não se submete a esse lucrativo pacto com o demônio terá de vender a alma por uma esmola.

Contudo, “o cinema de arte” dá, heroicamente, os seus últimos suspiros no circuito independente, ao produzir filmes herméticos e desprovidos de qualquer narrativa (como se contar uma história fosse um pecado capital), na tentativa de tirar do coma um paciente que cansou de lutar contra si mesmo, contra sua própria natureza. Nas cerimônias do Oscar, assistimos aos filmes pseudo-artísticos como: Adaptação, Billy Elliot, Desejo e Reparação, Milk, etc. O único mérito destes filmes é não ter o mesmo público de As Branquelas, porque o máximo que o espectador vai levar para a casa é uma enxaqueca ou uma indigestão. Os chamados filmes americanos de arte do século XXI conseguem ser mais chatos e indigestos do que uma aula de gramática da língua portuguesa sobre as Orações Subordinadas Substantivas Objetivas Diretas e Indiretas, independente de quem seja o professor. E os vencedores em Veneza e em Cannes, então?
Creio que o falecimento, em 2007, de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni tem um significado simbólico: a morte do cinema, da arte cinematográfica. Ora, morreram na década de 70: Visconti, Fitz Lang, Renoir, Rossellini e Pasolini; na década de 80, Welles, Hitchcock, Truffaut, Buñuel e Tarkovski; e, na década de 90, Kubrick, Fellini, David Lean e Kurosawa. Não quero agourar ninguém, mas depois que Godard, Resnais e Woody Allen morrerem, quem representará o cinema? Martin Scorsese? Francis Ford Coppola? Almodóvar ou Steven Spielberg? Não, nenhum desses é digno de representar a arte de Chaplin e Bergman. Diante disto, cabe a constatação: O cinema morreu, e foi a mesma burguesia que o criou que o matou! Quer dizer, não a mesma... Daquela nasceu o cinema, da de hoje não vale a pena enumerar um a um, seriam necessárias horas até que eu termine... E Eu já estou farto deste velório. Fica somente a saudade, assistindo, no meu DVD, a filmes como Aurora, A Doce Vida, A Regra do Jogo, Crepúsculo dos Deuses... O resto é silêncio.


REFERÊNCIAS

ADORNO, THEODOR & HORKHEIMER, MAX. A DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO. VERSÃO E-BOOK.

sábado, 19 de setembro de 2009

O CÂNONE DA SÉTIMA ARTE – PARTE V

Finalmente, os melhores filmes de acordo com o site os melhores filmes, que, a meu ver, é a melhor síntese das listas divulgadas por qualquer revista, site ou instituição, embora apresente, também, algumas incoerências. Eis o TOP 100:

1. Cidadão Kane (1941)
2. A Regra do Jogo (1939)
3. Um Corpo que Cai (1958)
4. 8 ½ (1963)
5. 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968)
6. O Poderoso Chefão 2 (1974)
7. O Encouraçado Potemkin (1925)
8. Cantando na Chuva (1952)
9. O Poderoso Chefão (1972)
10. Era uma vez em Tóquio (1953)
11. Os Sete Samurais (1954)
12. Rastros de Ódio (1956)
13. A Aventura (1960)
14. Ladrões de Bicicleta (1948)
15. O Martírio de Joana D’Arc (1928)
16. Lawrence da Arábia (1962)
17. Touro Indomável (1980)
18. Acossado (1959)
19. A Doce Vida (1960)
20. Quanto mais quente melhor (1959)
21. O Atalante (1934)
22. Luzes da Cidade (1931)
23. Aurora (1927)
24. Psicose (1960)
25. Rashomon (1950)
26. Doutor Fantástico (1964)
27. Casablanca (1942)
28. A General (1928)
29. Crepúsculo dos Deuses (1950)
30. Jules e Jim (1962)
31. Fanny & Alexander (1982)
32. Taxi Driver (1976)
33. Contos da Lua Vaga (1953)
34. Pacto de Sangue (1944)
35. A Marca da Maldade (1958)
36. Sindicato de Ladrões (1954)
37. A Canção da Estrada (1955)
38. Chinatown (1974)
39. Morangos Silvestres (1957)
40. A Grande Ilusão (1937)
41. O Boulevard do Crime (1945)
42. Ivan, o Terrível – Parte I (1944)
43. Apocalypse Now (1979)
44. Ouro e Maldição (1924)
45. A Grande Testemunha (1966)
46. O Sétimo Selo (1956)
47. Intriga Internacional (1959)
48. O Terceiro Homem (1949)
49. Em Busca do Ouro (1925)
50. O Tesouro de Sierra Madre (1948)
51. Soberba (1942)
52. O Desprezo (1963)
53. Metrópolis (1927)
54. A Lista de Schindler (1993)
55. A Palavra (1955)
56. Matar ou Morrer (1952)
57. Janela Indiscreta (1954)
58. Os Incompreendidos (1959)
59. Se meu Apartamento Falasse... (1960)
60. Guerra nas Estrelas (1977)
61. M, O Vampiro de Düsseldorf (1931)
62. Um Estranho no Ninho (1975)
63. O Conformista (1970)
64. Tempos Modernos (1936)
65. Amarcord (1974)
66. A Malvada (1950)
67. A Estrada da Vida (1954)
68. Andrei Rublev (1966)
69. A Ponte do Rio Kwai (1957)
70. Os Bons Companheiros (1990)
71. A Felicidade não se compra (1946)
72. Persona (1966)
73. Pulp Fiction – Tempo de Violência (1994)
74. O Intendente Sansho (1954)
75. Viridiana (1961)
76. O Leopardo (1963)
77. Amadeus (1984)
78. A Batalha de Argel (1966)
79. Ran (1985)
80. Blade Runner, O Caçador de Andróides (1982)
81. Desencanto (1946)
82. Embriaguez de Sucesso (1957)
83. Relíquia Macabra (1941)
84. O Espelho (1975)
85. Napoleão (1927)
86. O Mágico de Oz (1939)
87. Onde Começa o Inferno (1959)
88. Laranja Mecânica (1971)
89. ... E o Vento Levou (1939)
90. Uma Aventura na África (1951)
91. Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977)
92. Meu Ódio será sua Herança (1969)
93. ET – O Extraterrestre (1982)
94. Núpcias de Escândalo (1940)
95. As Oito Vítimas (1949)
96. Rocco e seus Irmãos (1960)
97. Aconteceu naquela Noite (1934)
98. Coronel Blimp – Vida e Morte (1943)
99. O Mensageiro do Diabo (1955)
100. Levada da Breca (1938)

Para visualizar a lista completa, acesse ao site: http://melhoresfilmes.com.br/filmes

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O CÂNONE DA SÉTIMA ARTE – PARTE IV

O site de cinema melhores filmes – www.melhoresfilmes.com.br – divulga a lista completa dos melhores filmes já feitos. Há na lista mais de 3000 filmes, classificados por notas que vão de 0 a 10, embora, em minha última consulta ao site, eu tenha notado que estão presentes na lista apenas os filmes que obtiveram nota superior ou igual a sete. Ao contrário de outros sites de cinema, como o IMDB (Internet Movie Data Base), adoro cinema e cine players, o site melhores filmes não classifica os filmes de acordo com a opinião dos internautas, mas sim segundo critérios que, certamente, são canônicos (e isto, creio eu, é um fator positivo). Talvez por isso, a coerência deste site seja maior do que a do IMDB, cujos 10 melhores filmes são:

1. Um Sonho de Liberdade (1994)
2. O Poderoso Chefão (1972)
3. O Poderoso Chefão 2 (1974)
4. Três Homens em Conflito (1966)
5. Pulp Fiction – Tempo de Violência (1994)
6. A Lista de Schindler (1993)
7. 12 Homens e 1 Sentença (1957)
8. Um Estranho no Ninho (1975)
9. Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008)
10. O Império Contra-ataca (1980)

Esta lista, publicada em setembro de 2009, traz disparates imensuráveis, como a presença do mediano blockbuster Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008), de Christopher Nolan. Ademais, nota-se que, entre os dez melhores, estão presentes 12 Homens e 1 Sentença, de Sidney Lumet, Pulp Fiction, de Quentin Tarantino, A Lista de Schindler, de Steven Spielberg e O Império Contra-ataca, de Irwin Kershner. Não há dúvidas que esses filmes sejam bons, mas eles estão longes de serem dignos de um Top 10 dos melhores de todos os tempos.

É razoável que o excelente Um Estranho no Ninho, de Milos Forman, e Três Homens em Conflito, de Sergio Leone, estejam entre os dez melhores, bem como a escolha óbvia das obras-primas O Poderoso Chefão I e II, que agradam tanto à crítica quanto ao público. A insensatez é Um Sonho de Liberdade ser apontado como o melhor filme de todos os tempos... Tudo bem, é um filme interessante, até inteligente... Mas, convenhamos, isto é motivo para ser considerado o melhor?! É claro que se trata da opinião de internautas que assistiram a um único filme e se sentem no direito de votar num site especializado em cinema, e, portanto, a opinião deles não deve ser levada em consideração... É óbvio que o público jovem se sente atraído por filmes arrasta-quarteirões como Batman, e pelo fato de jamais terem assistido a um filme realmente bom, julgam que seus gostos medíocres devam prevalecer sobre aquilo que foi estudado e analisado por pessoas que verdadeiramente sabem sobre cinema, (eu não me coloco nesta categoria, estou apenas opinando a respeito dessas discrepâncias), pois é... Gosto é gosto...

Em 1998, uma entidade oficial, o AFI, realizou o que seria a lista definitiva no que concerne aos melhores filmes já feitos (leia-se: os melhores filmes do cinema americano). Eis os 20 primeiros:

1. Cidadão Kane (1941)
2. Casablanca (1942)
3. O Poderoso Chefão (1972)
4. …E o Vento Levou (1939)
5. Lawrence da Arábia (1962)
6. O Mágico de Oz (1939)
7. A Primeira Noite de um Homem (1967)
8. Sindicato de Ladrões (1954)
9. A Lista de Schindler (1993)
10. Cantando na Chuva (1952)
11. A Felicidade não se compra (1946)
12. Crepúsculo dos Deuses (1950)
13. A Ponte do Rio Kwai (1957)
14. Quanto mais quente melhor (1959)
15. Guerra nas Estrelas (1977)
16. A Malvada (1950)
17. Uma Aventura na África (1951)
18. Psicose (1960)
19. Chinatown (1974)
20. Um Estranho no Ninho (1975)

Como se não bastasse a exclusão dos filmes europeus, asiáticos, sul-americanos, etc., a instituição “bairrista” elegeu A Primeira Noite de um Homem (1967), de Mike Nichols, como o sétimo melhor filme de todos os tempos, relegando obras-primas como Rastros de Ódio à 96ª posição, Luzes da Cidade à 76ª posição, Um Corpo que Cai e O Poderoso Chefão – parte II às 61ª e 32ª posições, respectivamente, além de outras escolhas equivocadas, como a presença de filmes insignificantes (para ser educado), como Platoon (1986), de Oliver Stone, Forrest Gump (1994), de Robert Zemmeckis, American Graffiti - Loucuras de Verão (1973), de George Lucas, e pasmem!!! Rocky, Um Lutador (1976), de John G. Avildsen.

Em 2007, o American Film Institute fez uma lista comemorativa de 10 anos da primeira lista. Aqui, a insanidade é ainda maior:

99. Toy Story (1995)
96. Faça a Coisa Certa (1989)
89. O Sexto Sentido (1999)
83. Titanic (1997)
72. Um Sonho de Liberdade (1994)
71. O Resgate do Soldado Ryan (1998)
63. Cabaret (1972)
50. O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel (2001)

Por outro lado, nem “tudo é vaidade nem aflições de ânimo”, pois, entre as vinte primeiras posições, há filmes melhores (segundo a minha opinião), em relação à primeira lista da instituição.

1. Cidadão Kane (1941)
2. O Poderoso Chefão (1972)
3. Casablanca (1942)
4. Touro Indomável (1980)
5. Cantando na Chuva (1952)
6. ... E O Vento Levou (1939)
7. Lawrence da Arábia (1962)
8. A Lista de Schindler (1993)
9. Um Corpo que Cai (1958)
10. O Mágico de Oz (1939)
11. Luzes da Cidade (1931)
12. Rastros de Ódio (1956)
13. Guerra nas Estrelas (1977)
14. Psicose (1960)
15. 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968)
16. Crepúsculo dos Deuses (1950)
17. A Primeira Noite de um Homem (1967)
18. A General (1928)
19. Sindicato de Ladrões (1954)
20. A Felicidade não se compra (1946)

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O CÂNONE DA SÉTIMA ARTE – PARTE III

“Mudam-se os tempos, mudam-se os gostos”

O que, à primeira vista, poderia resolver o problema, de fato, trouxe consigo outros maiores. Comparemos as listas de 1952 e 1962:

BFI – 1952

1. Ladrões de Bicicleta (De Sica)
2. Luzes da Cidade (Chaplin)
2. Em Busca do Ouro (Chaplin)
4. O Encouraçado Potemkin (Eisenstein)
5. Intolerância (Griffith)
5. Louisiana Story (Flaherty)
7. Ouro e Maldição (von Stroheim)
7. Trágico Amanhecer (Carné)
7. O Martírio de Joana D’Arc (Dreyer)
10. Desencanto (Lean)
10. A Regra do Jogo (Renoir)

BFI – 1962

1. Cidadão Kane (Welles)
2. A Aventura (Antonioni)
3. A Regra do Jogo (Renoir)
4. Ouro e Maldição (von Stroheim)
4. Contos da Lua Vaga (Mizoguchi)
6. O Encouraçado Potemkin (Eisenstein)
7. Ladrões de Bicicleta (De Sica)
7. Ivan, o Terrível (Eisenstein)
9. A Terra Treme (Visconti)
10. O Atalante (Vigo)

A primeira posição ocupada, na lista de 1952, por Ladrões de Bicicleta (1948) foi substituída por Cidadão Kane (1941), na lista de 1962. Desde a primeira posição existe uma incongruência, pois, na nova lista, deveriam estar presentes apenas os filmes produzidos entre o período de 1952-1962, o que não ocorre. Da primeira lista, os únicos remanescentes são: Ladrões de Bicicleta (1948), de Vittorio de Sica, A Regra do Jogo (1939), de Jean Renoir, Ouro e Maldição (1924), de Erich Von Stroheim, e O Encouraçado Potemkin (1925), de Sergei Eisenstein. Por outro lado, seis filmes inéditos aprecem na segunda lista: O Atalante (1934), de Jean Vigo, A Terra Treme (1947), Ivan, o Terrível (1944), de Sergei Eisenstein, Contos da Lua Vaga (1953), de Kenji Mizoguchi, A Aventura (1960), de Michelangelo Antonioni, e Cidadão Kane (1941), de Orson Welles. De fato, os únicos filmes que não poderiam estar na primeira lista são Contos da Lua Vaga e A Aventura, pois foram produzidos depois de 1952. O que é surpreendente é o fato de dois filmes de um diretor tão consagrado e canonizado como Charles Chaplin serem excluídos da segunda lista. Na terceira lista, surgem mais divergências:

BFI – 1972

1. Cidadão Kane (Welles)
2. A Regra do Jogo (Renoir)
3. O Encouraçado Potemkin (Eisenstein)
4. 8 1/2 (Fellini)
5. A Aventura (Antonioni)
5. Persona (Bergman)
7. O Martírio de Joana D’Arc (Dreyer)
8. A General (Keaton)
8. Soberba (Welles)
10. Contos da Lua Vaga (Mizoguchi)
10. Morangos Silvestres (Bergman)

A primeira posição foi mantida por Cidadão Kane. A terceira lista marca, também, a evolução de A Regra do Jogo, que ascendeu da 10ª posição, na primeira lista, e 3ª posição, na segunda lista, para a 2ª posição na terceira. A Aventura cai três posições, indo do segundo para o quinto lugar. O Martírio de Joana D’Arc, 7º na primeira lista, e que ficou de fora na segunda, reaparece novamente na 7ª posição. Entre os novos filmes temos: Morangos Silvestres (1957) e Persona (1966), de Ingmar Bergman, A General (1928), de Buster Keaton, Soberba (1942), de Orson Welles, e 8 ½, de Federico Fellini. Ficaram de fora da terceira lista: Ouro e Maldição (1924), de Erich Von Stroheim, O Atalante (1934), de Jean Vigo, A Terra Treme (1947) e Ivan, o Terrível (1944). Eis a quarta lista:

BFI – 1982

1. Cidadão Kane (Welles)
2. A Regra do Jogo (Renoir)
3. Os Sete Samurais (Kurosawa)
3. Cantando na Chuva (Kelly, Donen)
5. 8 1/2 (Fellini)
6. O Encouraçado Potemkin (Eisenstein)
7. A Aventura (Antonioni)
7. Soberba (Welles)
7. Um Corpo que Cai (Hitchcock)
10. A General (Keaton)
10. Rastros de Ódio (Ford)

Cidadão Kane e A Regra do Jogo mantêm suas posições. O Encouraçado Potemkin, A Aventura e A General perdem posições. Os Sete Samurais (1954), de Akira Kurosawa, aparece, pela primeira vez na lista, já na terceira posição, assim como Cantando na Chuva (1952), de Gene Kelly e Stanley Donen. Um Corpo que Cai (1958), de Alfred Hitchcock, e Rastros de Ódio (1956), de John Ford, também estréiam na lista.

Em 1992, ocorre uma mudança. Agora, além da lista dos críticos, há a lista dos diretores de cinema.

BFI – 1992

Lista dos Diretores:

1. Cidadão Kane (Welles)
2. 8 1/2 (Fellini)
2. Touro Indomável (Scorsese)
4. A Estrada da Vida (Fellini)
5. O Atalante (Vigo)
6. O Poderoso Chefão (Coppola)
6. Tempos Modernos (Chaplin)
6. Um Corpo que Cai (Hitchcock)
9. O Poderoso Chefão 2 (Coppola)
10. O Martírio de Joana D’Arc (Dreyer)
10. Rashomon (Kurosawa)
10. Os Sete Samurais (Kurosawa)

Lista dos Críticos:

1. Cidadão Kane (Welles)
2. A Regra do Jogo (Renoir)
3. Era uma vez em Tóquio (Ozu)
4. Um Corpo que Cai (Hitchcock)
5. Rastros de Ódio (Ford)
6. O Atalante (Vigo)
6. O Martírio de Joana D’Arc (Dreyer)
6. A Canção da Estrada (Ray)
6. O Encouraçado Potemkin (Eisenstein)
10. 2001: Uma Odisséia no Espaço (Kubrick)

A hegemonia de Cidadão Kane é mantida nas listas dos diretores e dos críticos. A Regra do Jogo mantém-se em segundo. Na lista dos críticos, temos a reaparição de O Martírio de Joana D’Arc, bem como de O Atalante. Estréiam 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, A Canção da Estrada (1955), de Satyajit Ray, e Era uma vez em Tóquio (1953), de Yasujiro Ozu. O Encouraçado Potemkin, presente desde a primeira lista, ocupa a 6ª posição.

Na lista dos diretores, no entanto, aparecem filmes que até então não haviam sido mencionados, como: Rashomon (1950), de Akira Kurosawa, O Poderoso Chefão I e II (1972-74), de Francis Ford Coppola, Tempos Modernos (1936), de Charles Chaplin, A Estrada da Vida (1954), de Federico Fellini, e Touro Indomável (1980). Em relação à lista de 1982, há novamente a presença de 8 ½, Os Sete Samurais, Um Corpo que Cai e Cidadão Kane.

As últimas listas divulgadas pela BFI, por meio da revista Sight & Sound, em 2002, foram as seguintes:

BFI – 2002

Lista dos críticos:

1. Cidadão Kane (Welles)
2. Um Corpo que Cai (Hitchcock)
3. A Regra do Jogo (Renoir)
4. O Poderoso Chefão e O Poderoso Chefão 2 (Coppola)
5. Era uma vez em Tóquio (Ozu)
6. 2001: Uma Odisséia no Espaço (Kubrick)
7. O Encouraçado Potemkin (Eisenstein)
7. Aurora (Murnau)
9. 8 1/2 (Fellini)
9. Cantando na Chuva (Kelly, Donen)

Lista dos diretores

1. Cidadão Kane (Welles)
2. O Poderoso Chefão e O Poderoso Chefão 2 (Coppola)
3. 81/2 (Fellini)
4. Lawrence da Arábia (Lean)
5. Doutor Fantástico (Kubrick)
6. Ladrões de Bicicleta (De Sica)
6. Touro Indomável (Scorsese)
6. Um Corpo que Cai (Hitchcock)
9. Rashomon (Kurosawa)
9. A Regra do Jogo (Renoir)
9. Os Sete Samurais (Kurosawa)

Na lista dos críticos, a única novidade é Aurora (1927), de F.W. Murnau, além da volta de Cantando na Chuva. Há, também, algumas trocas de posições. Maiores mudanças ocorrem, no entanto, na lista dos diretores. Os dois primeiros filmes da trilogia O Poderoso Chefão aparecem na segunda posição, atrás somente do imbatível Cidadão Kane. Ladrões de Bicicleta, fora desde a lista de 1962, retorna à 6ª posição. Doutor Fantástico (1964), de Stanley Kubrick, é surpreendentemente eleito o quinto melhor filme, relegando outro filme do diretor que vinha em escala ascendente nas listas anteriores, 2001: Uma Odisséia no Espaço. Igualmente surpreendente é a presença de Lawrence da Arábia (1962), de David Lean, no quarto lugar. A maior incoerência não é a ascensão imediata do épico de David Lean, mas sim a rejeição que o filme sofrera até 2002, não estando presente em nenhum TOP 10 da revista britânica.

A TELEVISÃO ME DEIXOU BURRO, MUITO BURRO DEMAIS...

No filme Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, de Woody Allen, o comediante Alvy Singer (W. Allen), em certo momento, diz: “Na Califórnia, não existe lixo, eles reciclam como programa de TV”. Jamais foram ditas mais sábias palavras sobre a televisão.

Desde a década de 1950, a televisão tem feito parte de nosso cotidiano, e, coincidentemente, a produção artística e cultura diminuiu consideravelmente a partir deste período. Por que será? É possível co-existir alguma forma de pensamento com o vazio, com o oco?

A grade televisiva varia sua programação entre talkie-shows, telenovelas, talkie-shows, telenovelas, telejornais, telenovelas (desta vez é sobre mutantes à la X-Men), programas de auditório e programas de esporte (isto significa dizer: jogos do Brasileirão, sobretudo, do Corinthians). O nível do conteúdo desses programas, se é que há algum conteúdo, é, em educadas palavras, um lixo asqueroso e fétido.

Ora, ao invés de ser um veículo formador de opiniões, a televisão faz, diariamente, uma lavagem cerebral em seus “espertos” telespectadores, e mesmo os telejornais, que, supostamente, deveriam informar com clareza, credibilidade e imparcialidade, divulgam as notícias com total interesse próprio, ocultando os verdadeiros assuntos de interesse público.

Não bastasse o circo do Congresso Nacional, (com direito a cartão vermelho para Sarney) onde, paradoxalmente, os palhaços são a população brasileira, agora, quando ligamos o televisor, somos obrigados a assistir à baixaria da Record de Edir Macedo, defendendo-se do “demônio” da TV Globo. Nunca o espetáculo do horário nobre foi tão mesquinho e ridículo, isto é, na acepção etimológica da palavra, ou seja, digno de riso, de escárnio.

Se pesarmos os prós e os contras da televisão, a balança da justiça despencará para “os contras”, pois, dessa máquina de estupidificar e fazer lavagem cerebral, podem ser salvos os raros canais educativos, porque os outros 99,99% visam somente o ibope nessa luta sem escrúpulos pela atenção dos espectadores.

O maior problema do fenômeno televisivo nas últimas décadas tem sido a falta de incentivo à boa música, à literatura, ao teatro, etc., porque essas formas de arte contrariam a alienação imposta pela televisão, haja vista que, em virtude da educação e da cultura, ter-se-á indivíduos mais críticos. O incentivo à produção cultural seria, grosso modo, como atirar contra o próprio pé, pois pessoas com o mínimo senso crítico e moral não aceitariam o lixo que a televisão deposita na cabeça de seu público, e isto, conseqüentemente, desmantelaria o esquema conspiratório desse veículo capitalista de transformar seres humanos em quadrúpedes.

A televisão é, sem sombras de dúvida, um vício os telespectadores... Muitos protestarão, mas a questão é lógica... Vocês não sabiam que drogas causam dependência físico-psicológica?! Quem não assiste à TV desconhece as “coisas importantes”, portanto, está fadado ao isolamento... É como desconhecer as leis constitucionais ou os dez mandamentos. Ai daquele que não assistiu ao último capítulo da novela das 8, que não sabe qual time lidera as divisões de “A” a “Z” (neste caso, “D”) do campeonato brasileiro, que não sabe qual é o novo namorado da velha celebridade, ou se fulano ou fulana assumiu que é homossexual ou que está grávida!

O primeiro e único mandamento da TV é: Não pensarás!... E, diferente da Roma Antiga, não são os imperadores que governam o seu império; quem comanda, hoje em dia, são os burgueses medíocres e intelectualmente limitados... E o pão e circo? O pão é o bolsa família que o governo distribui para os necessitados e os nem-tão-necessitados assim, e o circo, ao contrário de outrora, não é mais um espetáculo truculento entre gladiadores, é infinitamente pior; hoje, o circo é a televisão.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O CÂNONE DA SÉTIMA ARTE – PARTE II

O simples fato de eu ter mencionado aqueles filmes como marcos iniciais de um gênero ou período demonstra que a importância que esses filmes adquiriram deve-se, em grande parte, ao que eles revolucionaram na arte cinematográfica. Ora pois, que contribuições um filme como As Branquelas (2004) fez para a inovação do cinema tanto tecnicamente quanto artisticamente? NADA! De fato, esse filme não passa de um pasticho mau feito e pouco criativo de Quanto mais quente melhor, de Billy Wilder, e de tantos outros clássicos da comédia que transformam o travestismo em comédia de erros.

A questão, porém, é muito mais problemática. Geralmente, quem aponta se um filme é bom ou ruim são os críticos de cinema e, dependendo da opinião e credibilidade do crítico de cinema, um espectador pode ir ou deixar de ir ao cinema. Temos, portanto, um juízo subjetivo que interfere de maneira objetiva numa realidade concreta, a qual deveria estar isenta de interferências de natureza passional.

O que diferencia um bom filme atual de um bom filme clássico? O que diferencia Onde os fracos não têm vez de Bonnie & Clyde? A resposta é simples: o tempo. É somente o tempo que é capaz de dizer se algo é efêmero ou intemporal, e o mesmo se dá em relação aos filmes. Todavia, há um sem-número de bons filmes, mas aquilo que compõe a noção de um cânone do cinema não se aplica apenas aos bons filmes, mas sim aos filmes que têm o valor representativo de instituir um paradigma ou de rompê-lo. Nem o valor de obra-prima é capaz de canonizar um filme ou não.

Tomemos como exemplo O Sol é para todos (1962), de Robert Mulligan. Não há dúvidas de que este filme seja uma obra-prima, bem como o musical My Fair Lady – Minha Bela Dama (1964), de George Cukor. Se nós compararmos esses dois filmes com alguns dos melhores filmes da atualidade, como, por exemplo, O Pianista (2002), de Roman Polanski, ou Sangue Negro (2007), de Paul Thomas Andersen, (Este, inclusive, foi comparado por muitos críticos, na época de seu lançamento, ao maior de todos os filmes, Cidadão Kane), ainda assim O Sol é para todos seria considerado um filme maior, apesar de não haver dúvidas de que Sangue Negro seja, daqui a alguns anos, apontado como um dos pilares do cinema contemporâneo.

O cânone estabelece-se pela importância histórica que adquirem os elementos que o compõem, ou seja, é difícil afirmar se um filme será parte do cânone quando este for lançado nos cinemas. Sem o olhar dissecador do tempo, há o perigo de se cometer equívocos, às vezes, irreversíveis. A história mais famosa destes equívocos, e são tantos, aconteceu na cerimônia do Oscar de 1942, quando Cidadão Kane, considerado o melhor filme já feito, faturou apenas o Oscar de roteiro original, perdendo os prêmios de melhor direção, melhor fotografia e melhor filme para Como era verde o meu vale, de John Ford. Como era verde o meu vale é um bom filme, muito superior aos que Hollywood produz hoje em dia, mas parece loucura ter de aceitar que fora este filme que desbancou a obra-prima de Orson Welles.

Entre outros erros históricos da Academia, podemos destacar: o Oscar de melhor ator que John Wayne ganhou por Bravura Indômita, em detrimento da performance perfeita de Dustin Hoffman em Perdidos na Noite, na edição de 1970; O Bom Pastor, de Leo McCarey, faturar o Oscar de melhor filme, em 1945, ao invés de Pacto de Sangue, de Billy Wilder, obra-prima par excellence; Além destes casos mais famosos, há, ainda, outros injustiçados pela Academia, como: Laranja Mecânica, A Primeira Noite de um Homem, Intriga Internacional, Cantando na Chuva, Doutor Fantástico, Psicose, 2001: Uma Odisséia no Espaço, O Tesouro de Sierra Madre, Taxi Driver, Apocalypse Now, A Cor Púrpura, entre outros. Talvez, no intuito de desfazer estes equívocos da Academia, a revista de cinema Sight &Sound passou a divulgar a cada década a lista dos melhores filmes já feitos.

A S&S divulgou as listas dos melhores filmes já feitos em 1952, 1962, 1972, 1982, 1992 e 2002.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

EXPULSANDO PLATÃO DA REPÚBLICA: A METAFÍSICA DO BELO EM NIETZSCHE E SCHOPENHAUER

A arte, para Platão, é imitação do mundo sensível, ou seja, é imitação da imitação da idéia. Schopenhauer refuta explicitamente esse conceito platônico em, pelo menos, quatro passagens de O Mundo como Vontade e Representação.

“A arte reproduz as idéias eternas que concebeu por meio da contemplação pura, isto é, o essencial e o permanente de todos os fenômenos do mundo. (...) A sua origem única é o conhecimento das idéias; o seu fim único, a comunicação desse conhecimento.” (SCHOPENHAUER, 2001, p. 194)

“A obra de arte é apenas um meio destinado a facilitar o conhecimento, conhecimento que constitui o prazer estético.” (SCHOPENHAUER, 2001, p.204)

“As idéias (no sentido platônico) são a objetivação adequada da vontade. O fim de todas as artes é estimular o homem para reconhecer as idéias. Conseguem-no através da reprodução de objetos particulares (as obras de arte não são outra coisa) e através de uma modificação correspondente do sujeito que conhece. As artes não objetivam portanto a vontade diretamente, mas por intermédio das idéias. Ora, o mundo é apenas o fenômeno das idéias multiplicado indefinidamente através da forma do principium individuationis, única forma do conhecimento que está ao alcance do indivíduo enquanto indivíduo.” (SCHOPENHAUER, 2001 270-271)

“(...) a arte como manifestação suprema e acabada de tudo o que existe, visto que, por essência, ela nos provoca a mesma coisa que aquilo que o mundo visível nos mostra, mas mais condensada, mais acabada, com escolha e reflexão, e que, por conseguinte, podemos chamar-lhe floração da vida, na plena acepção da palavra. Se o mundo considerado como representação é no seu conjunto apenas a vontade tornada sensível, a arte é precisamente essa sensibilidade tornada mais nítida ainda;” (SCHOPENHAUER, 2001, p. 281)


PLATÃO vs. SCHOPENHAUER & NIETZSCHE


Na passagem abaixo de A República, Platão discorre acerca da verdadeira essência da realidade. Utilizando-se do exemplo da cama, ele afirma que existem três camas a serem avaliadas a partir de uma representação artística desse objeto. A cama representada pelo pintor, a cama montada pelo artesão e a idéia perfeita e eterna dessa cama, que é criada por um Ser também perfeito, ou seja, Deus.


“– Ora pois, se ele não faz o que é, não faz o objeto real, porém um objeto que se assemelhe a este, sem ter a sua realidade; e, se alguém dissesse que a obra do marceneiro ou de qualquer outro artesão é perfeitamente real, haveria possibilidade de que se dissesse algo falso, não?” (PLATÃO, 1973, p.221)


Logo no início do Livro X, o filósofo, cujo alter-ego é Sócrates, conversa com Glauco e diz-lhe que os poetas deveriam ser excluídos da cidade (República) por fazerem uma arte imitativa, assim como todas as outras artes também o são. Esse ponto de vista, sem dúvida, leviano e preconceituoso, apega-se a uma idéia unívoca para fundamentar um pensamento que parte de princípios morais.

Para Platão, a idéia da cama pertencia a uma realidade extra-sensível, perfeita, infinita e eterna. Esse mundo das idéias era regido por um Ser superior, e, portanto, eram atribuídos a ele o Bom, O Belo e A Verdade, que são, a priori, princípios morais.

Nietzsche, um dos maiores críticos da metafísica socrático-platônica, em seu livro Crepúsculo dos Ídolos, explica o problema de se tomar o efeito pela causa, segundo ele,

“Juízos, juízos de valor sobre a vida, a favor ou contra, nunca podem ser em última instância verdadeiros: eles só possuem valor como sintoma, eles só podem vir a ser considerados enquanto sintomas. Em si, tais juízos são imbecilidades” (NIETZSCHE, 2000, p. 18)


Além de se utilizar de preceitos morais para tratar de um problema ontológico, Platão, a partir desse dualismo entre mundo sensível e mundo das idéias, tenta aplicar a Estética um conceito débil, quando, por exemplo, buscamos compreender uma arte como a música. Vale lembrar que o filósofo, ao tratar das artes sonoras, elegeu a poesia, exemplo ineficaz diante da verdadeira “arte do som”.

Para Schopenhauer, seguindo a tradição helênica, a beleza humana era a mais perfeita objetivação da vontade, era a criação da coisa em si (Kant). Já as artes eram criações humanas, porém inspiradas pela vontade, o que Nietzsche chamava de gênio dionisíaco.

Tanto Nietzsche como Schopenhauer consideravam a música como a mais elevada forma de arte, para eles, essa arte era a expressão imediata do Uno - primordial (vontade). “(...) a minha explicação obriga-nos a considerar a música como a cópia de um modelo que nunca pode, ele mesmo, ser representado diretamente.” (SCHOPENHAUER, 2001, p. 270). Ou seja, a música é a própria vontade reproduzida no mundo sensível.

Para se entender melhor os conceitos de Nietzsche e Schopenhauer seria necessário a seguinte analogia da história da filosofia:

Platão: Mundo das Idéias –> Mundo Sensível

Kant: Coisa em si –> Fenômenos

Schopenhauer: Vontade –> Representação

Nietzsche: Uno – primordial –> Principium individuationis


A partir dessa relação entre a causa e o efeito, entre o ego e o mundo, torna-se estéril esse pensamento platônico, quando defrontado com a máxima cartesiana do Cogito, ergo sum. Pois, como poderia minha individualidade ser uma aparência, uma mentira, se tenho consciência do meu eu? Mais sensato seria o conceito de que o mundo sensível é a objetivação do mundo das idéias, e não apenas uma falsa aparência.

A arte, por meio do intelecto, conseguiria romper a individuação e reconciliar o homem com o seu Uno. Pois, o homem, único ser dotado de razão, carrega consigo, em sua essência, aquilo que foi separado pela individuação, ou seja, quando nasceu. A alma traz consigo impressões do mundo das idéias (seguindo o termo platônico), pois a ele pertencia quando ainda não havia se separado pelas barreiras do principium individuationis. Somente através dos sentidos, ou seja, pela absorção da arte, o Uno reconciliar-se-á com o intelecto (a Vontade individualizada do sujeito.)

O principium individuationis somente é rompido e o sujeito reintegrado a Vontade em três situações: a morte, o amor e a arte.

Mesmo Platão, em um diálogo de Fedro, antes de enveredar-se ao equívoco no Livro X de A República, trazia a idéia que mais tarde inspirou a Schopenhauer.

“Na natureza primitiva, diz, além, dos gêneros masculino e feminino, existia o andrógino, que participava de ambos os sexos. A forma de cada indivíduo era totalmente redonda, e tinha quatro braços e quatro pernas, uma só cabeça, quatro orelhas e dois órgãos sexuais. Desse modo podia caminhar tanto para frente como para trás. O macho descendia do sol, a fêmea da terra e o andrógino da lua. Os andróginos eram terríveis por seu vigor e força. Na sua arrogância atentaram contra os deuses, e Zeus, como castigo, decidiu cortá-los em dois, para fazê-los mais débeis. (...) A partir desse momento, conclui o relato de Aristófanes, o amor é o desejo e a persecução do todo primitivo. Sem dúvida, esta conclusão fecha plenamente com o ponto de vista de Platão, pois nele o amor é aspiração à plenitude originária da idéia.” (HARTMANN, p. 23)


O amor entre dois indivíduos é a busca em reconciliar o Uno – primordial, e isto só acontece provisoriamente, quando o ato sexual é consumado. Paixão, do grego: pathos, significa sofrer. Paixão é, portanto, a eterna aspiração ao todo, é a busca de romper a barreira da individuação.

Quanto à morte, Andrés Sanchez Pascual, em seu prefácio a O Nascimento da Tragédia, de Nietzsche, afirma:

“Tudo é uno (...) A vida é como uma fonte eterna que produz constantemente individuações e que, ao produzi-las, se desgarra de si mesma. Por isso a vida é dor e sofrimento: a dor e o sofrimento de ver despedaçado o Uno primordial. Mas ao mesmo tempo a vida tende a reintegrar-se, a sair de sua dor e reconcentrar-se em sua unidade primeira. E essa reunificação se produz com a morte, com o aniquilamento das individualidades. Por isso a morte é o prazer supremo, enquanto significa o reencontro com a origem.” (2004, apud NIETZSCHE, 2007, p.7-8)


Morte e amor significam, por conseguinte, reunificar-se ao Uno – primordial, ou seja, a Vontade. Mas por que a arte, o prazer estético produz em nós a mesma sensação que o amor e a morte?

A resposta é: Com a arte a barreira das individuações também é rompida. Essas individuações nada mais são do que a separação do intelecto do sujeito daquilo que lhe deu origem, ou seja, a Vontade. Por isso, a razão trabalha sempre em função da auto-preservação (Vontade). Segundo Schopenhauer,

“Em regra geral, o conhecimento permanece sempre a serviço da vontade, do mesmo modo que ele nasceu para este destino e está, por assim dizer, implantado sobre a vontade como a cabeça está sobre o tronco.” (SCHOPENHAUER, 2001, p. 186)


Para Schopenhauer, todas as artes, com exceção à música, estão subordinadas à idéia, que, por conseguinte, é a expressão individual (do sujeito) da Vontade. De acordo com ele,

“A idéia é a unidade que se transforma em pluralidade por meio do espaço e do tempo, formas de uma percepção intuitiva; o conceito, pelo contrário, é a unidade extraída da pluralidade, por meio da abstração que é um procedimento do nosso entendimento; o conceito pode ser chamado unitas post rem, a idéia, unitas ante rem (...) a idéia (...) revela àquele que a concebeu representações completamente novas do ponto de vista do conceito de mesmo nome: ela é como um organismo vivo, que cresce prolífico, capaz, em uma palavra, de produzir aquilo que não se introduziu lá.” (SCHOPENHAUER, 2001, p. 247)


Por isso Platão equivoca-se ao afirmar que o artista busca inspiração na realidade sensível, realidade essa que não passa de uma aparência do mundo das idéias. Segundo ele, “(...) o criador de imagens, o imitador, dizemos, nada entende da realidade, conhece apenas a aparência” (PLATÃO, 1973, p. 228)

A teoria de Schopenhauer contraria o princípio platônico de que tanto a pintura, quanto a escultura, a poesia, etc., são artes imitativas, pois, essas artes não buscam representar a falsa realidade (aparência), mas sim expressar in continenti a idéia da razão, ou seja, o artista não reproduz a aparência, ele apenas obedece ao instinto criativo da Vontade.

Não apenas a música, como também as demais artes, exprime diretamente as idéias, a intuição do gênio criador. Schopenhauer afirma que

“A arte em todas as suas formas, tem, portanto, sempre por finalidade exprimir a idéia. O que distingue as diferentes artes é o grau de objetivação da vontade, representado pela idéia em cada uma delas; disso depende também a matéria própria de cada arte” (SCHOPENHAUER, 2001, p. 265)


O artista, seja ele poeta, pintor, escultor ou cineasta, está sempre expressando uma idéia. A intuição criativa do artista está diretamente ligada à Vontade. O que diferencia a música das demais artes é que ela é expressão da Vontade enquanto Vontade, já as outras artes são expressões de uma idéia que está sempre subordinada à Vontade. Arte é, portanto, reprodução da Vontade, mesmo que por vias diferentes.

Outro equívoco de Platão é colocar todas as artes em um mesmo nível de comparação. Schopenhauer, brilhantemente, percebeu a diferença entre a música das demais manifestações da Vontade. Schopenhauer afirma:

“Mas a música, que vai para além das idéias, é completamente independente do mundo fenomenal; ignora-o totalmente, e poderia de algum modo continuar a existir, na altura em que o universo não existisse: não se pode dizer o mesmo das outras artes. A música, com efeito, é uma objetidade, uma cópia tão imediata de toda vontade como o mundo o é, como o são as próprias idéias cujo fenômeno múltiplo constitui o mundo dos objetos individuais. Ela não é, portanto, como as outras artes, uma reprodução das idéias, mas uma reprodução da vontade como as próprias idéias.” (SCHOPENHAUER, 2001, p. 271)


Schopenhauer considera a música como a organização da Vontade enquanto sistema. Segundo ele, “o mundo poderia chamar-se tanto uma encarnação da música como uma encarnação da vontade (...)” (SCHOPENHAUER, 2001, p. 275-276). A música é, portanto, a tradução imediata do espírito, é a Vontade enquanto arte.

De acordo com Schopenhauer,

“(...) numa linguagem eminentemente universal, ela exprime de uma única maneira, através dos sons, com verdade e precisão, o ser, a essência do mundo, em uma palavra, o que concebemos pelo conceito de vontade, porque a vontade é a sua mais visível manifestação.” (SCHOPENHAUER, 2001, p. 278)

Chegamos à conclusão de que toda manifestação artística, ao contrário do que preconizava Platão, não representa uma falsa impressão da realidade, mas sim reproduz direta ou indiretamente (através da idéia) a própria essência do Ser (coisa em si, para Kant; mundo das idéias, para Platão). De acordo com Schopenhauer,

“(...) ‘a essência da vida’, a vontade, a própria existência é uma dor constante tanto lamentável como terrível; e de que, por outro lado, tudo isto, encarado na representação pura ou nas obras de arte, está liberto de toda dor e apresenta um espetáculo imponente. Este lado puramente conhecível do mundo, a sua reprodução através da arte sob uma forma qualquer, é a matéria sobre a qual trabalha o artista. Ele é cativado pela contemplação da vontade na sua objetivação; ele pára diante desse espetáculo, não deixando de admirá-lo e de reproduzi-lo, mas, durante esse tempo, é ele mesmo que paga as despesas da representação; em outras palavras, ele próprio é essa vontade que se objetiva e que permanece só com a sua eterna dor. Este conhecimento puro, profundo e verdadeiro da natureza do mundo torna-se ele mesmo a finalidade do artista de gênio: este não vai mais longe.” (SCHOPENHAUER, 2001, p. 281)


Referências:

PLATÃO. A República. Trad.: J. Guinsberg. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1973.

SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação. Trad.: M. F. Sá Correia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.

NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos Ídolos (ou como filosofar com o martelo). Trad.: Marco Antonio Casa Nova. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000.

NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. Trad.: Antonio Carlos Braga. São Paulo: Escala, 2007.

HARTMANN, Hélio Roque. Lições de Estética Filosófica.

A DEMANDA DO SANTO GRAAL

Do pensamento medieval do Velho Mundo, seguindo a tradição cavalheiresca do trovadorismo, surgiram as novelas de cavalaria que narram às aventuras “maravilhosas” dos cavaleiros.

Os personagens das novelas de cavalaria são, obviamente, os cavaleiros e, basicamente, há três categorias deles: o cavaleiro tradicional (aquele que obteve o título por bravura, e, junto a seu título, terras); o cavaleiro andante, também chamado de cavaleiro namorado (da tradição trovadoresca do amor cortês e das cantigas de amor. Ele presta vassalagem à donzela, sublimando-a); o cavaleiro penitente (aquele que está em busca, em peregrinação em uma missão religiosa específica. Ele está ligado à missão sob contrato, correndo risco de excomunhão, pois empenhou sua palavra em juramento solene). É do terceiro tipo de cavaleiro que se ocupa A Demanda do Santo Graal.

São nos séculos XIII e XIV que surgem as primeiras aparições das novelas de cavalaria, e também é durante esse período que a Europa enfrenta um cenário apocalíptico de crises econômica, social e espiritual. O Cisma do Ocidente estendeu-se por quase todo século XIV e manteve a Igreja dividida entre Roma e Avignon. Essa crise no papado separou a população e os feudos num sistema em que cada pólo da disputa prestava vassalagem a um dos papas, os quais se excomungavam mutuamente. Havia-se a idéia que “metade da Europa era regida por um anticristo” e, por isso, também houve uma intensificação espiritual de cada vassalo. E, para agravar a situação, a peste bubônica ou “peste negra”, como foi chamada, devastou 1/3 da população européia. Neste cenário caótico, a fé em Deus foi o único alívio para a desesperada população, o único caminho para se alcançar o Paraíso e livrar-se do Inferno na Terra. Da necessidade de purificação espiritual nasce A Demanda do Santo Graal.

As novelas de cavalaria são divididas em cinco ciclos: o ciclo clássico, de temática Greco-latina; o ciclo carolíngio, sobre Carlos Magno; o ciclo bretão, sobre o Rei Artur e seus cavaleiros; além dos ciclos da vulgata e pós-vulgata. O ciclo ao qual pertence A demanda é o ciclo da vulgata, que é dividido em cinco livros: A História do Santo Graal, A História de Merlin, O Livro de Lancelot do Lago, A Demanda do Santo Graal e A Morte do Rei Artur.

O Santo Graal, a razão “principal” pela qual os cavaleiros saem em demanda, trata-se do cálice que José de Arimatéia coletou o sangue de Jesus Cristo em seu martírio na cruz e é, portanto, um objeto sagrado, pois o sangue de Cristo é o símbolo máximo do sagrado na religião cristã.

Como enredo, A Demanda do Santo Graal exterioriza todo o pensamento medieval que a envolve. A história inicia-se com uma reunião dos cavaleiros da Távola redonda na véspera de Pentecostes. Um escudeiro anuncia que há uma espada (Excalibur) fincada em uma pedra de mármore, e os cavaleiros tentam, em vão, arrancá-la de lá. Galaaz chega à corte e senta-se, sem saber, na cadeira destinada ao “escolhido”, e, em seguida, vai até a pedra e retira sem dificuldades a espada de Excalibur da pedra. No repasto, os cavaleiros são surpreendidos pela aparição do Graal, que irradia uma intensa luz. Assim que a aparição do cálice desaparece, Galvam sugere que todos saiam à demanda do Graal, e iniciam-se as aventuras e desventuras dos cavaleiros de Artur.

No seguinte trecho d’A Demanda estão expressas as principais idéias que fecundam essa história:

“a demanda do Santo Graal tanto quer seer como buscar as maravilhas da Santa Egreja e as cousas abscondidas e as maravilhas e as grandes puridades que Nosso Senhor não quis outorgar que homem as achasse que jouvesse em pecado mortal”.


Mais importante do que encontrar o Graal é o processo que conduzirá a ele, e o que comprova essa afirmação é o fato de todos os cavaleiros já saberem que o único que conseguirá encontrar o Graal é Galaaz, pois os presságios apontavam que ele era o “escolhido”, e mesmo assim decidem sair em demanda. O que os cavaleiros buscavam, na verdade, não era o Graal, mas a oportunidade de purgação espiritual que a demanda do Graal lhes propiciava, pois, cada obstáculo vencido era um degrau em direção à ascese que era ultrapassado.

Quanto ao escolhido, Galaaz, o seu nome vem de Galaad, que significa o “puro dos puros”, ou seja, o próprio Messias. Para poder se ter contato com o Graal é necessário estar tão puro quanto ele, ser digno dele, pois o Graal simboliza a presença de Deus, e, para tanto, somente a ascese, o processo de elevação espiritual, poderá conduzir o cavaleiro à purificação. A ascese é alcançada pelo desprezo pelo corpo, pela busca de sofrimentos e pelo culto da vida espiritual, ou seja, seguir a moral e o pensamento cristãos que regiam a Idade Média.

O cavaleiro procura as “maravilhas” em sua jornada, e elas significam a oportunidade que Deus lhe concedeu de ser posto à prova, de poder elevar-se diante da tentação. Um exemplo disso são os capítulos (107-120) que narram a passagem de Galaaz e Boorz na casa do Rei Brutos, onde a linda donzela filha do rei apaixona-se perdidamente por Galaaz e quer que ele “faça amor com ela”.


“– Por Deus, Boorz, disse Galaaz, esta é a maior maravilha que nunca vistes. Esta donzela se matou sem razão com minha espada.” (MEGALE, 1988, p.102)


O Santo Graal, mais um meio do que um fim em si mesmo, representa o mistério, aquilo que é luminoso, a própria presença de Deus em meio à crise da época, e por isso é preciso que se vá até ele, pois nele está contida a salvação. O Graal é, portanto, o referencial da ascese, aquilo que purifica a alma.

A jornada do cavaleiro era um ato penitencial contra os pecados da carne: a fornicação, a superstição, a idolatria, brigas, impurezas, bebedeiras, orgias, ambição. N’A Demanda a mulher é a fomentadora desses pecados, e, portanto, o cavaleiro deveria lutar para não deixar cair em tentação pelas “formosas donzelas”. Boorz diz a Galaaz, após a donzela suicidar-se:

“O diabo lhe fez fazer. Agora não sei o que façamos, porque seu pai não acreditará em nós, antes dirá que a matamos.” (MEGALE, 1988, p.102)


Todo o pensamento judaico-cristão utiliza-se da mulher como símbolo do pecado. A mulher é mais suscetível de cair em tentação do que o homem, mas, quando ele sucumbe ao mal é por sua causa, e isso tem sido desde Adão e Eva. A mulher é, portanto, a grande causadora das desgraças da humanidade. Esse pensamento reflete-se em duas passagens d’a Demanda. Além dos capítulos do episódio do Rei Brutos, a passagem que narra a morte da irmã de Erec, que por ele é assassinada, tem por algoz uma donzela que quer que ele mate a própria irmã por capricho seu, pois ele lhe ofertara a sua nobre palavra. Após a morte da irmã de Erec, a donzela é punida pelos Céus por uma “nuvem cheia de fogo e chama” que cai sobre ela, já ele, o fratricida que tinha a palavra empenhada a ela, torna-se um mártir ao ser assassinado sorrateiramente.

Em certo sentido, A Demanda é uma alegoria da doutrina moral e religiosa do cristianismo que buscava se afirmar através das cruzadas e um retrato vivo da Idade Média que cultuava o sagrado e o espírito, em detrimento da vida terrena. O realismo e o misticismo interpenetram-se nas aventuras e “maravilhas” dos cavaleiros em seu processo de ascese, e quando Galaaz finalmente encontra o Graal, todos os sofrimentos e penitências dos cavaleiros e da humanidade são justificados pela reconciliação com Deus.

Referências:

A Demanda do Santo Graal: manuscrito do século XIII/ texto sob os cuidados de Heitor Megale. São Paulo: T.A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1988.

MONGELLI, Lênia Márcia de Medeiros. Por quem Peregrinam os cavaleiros de Artur. Cotia: Ed. Íbis, 1995.

http://www.coladaweb.com/hisgeral/idademedia.htm. Acesso em: 03 de abril de 2009.

O CÂNONE DA SÉTIMA ARTE

Seria exagerado afirmar que o cânone do cinema existe antes mesmo do cinema ser inventado, não é? Contudo, desde a primeira exibição de um filme, em 28 de dezembro de 1895, no Grand Café do Boulevard des Capucines, em Paris, o cinema foi uma arte voltada para a elite burguesa, que estava curiosa pelas invenções da ciência.

Irônico é o fato de que o primeiro curta a ser exibido foi La Sortie des Ouvriers de l'Usine, produzido pelos irmãos Louis e Auguste Lumière. A classe operária foram os primeiros atores a serem vistos na Grand Écran. Por um lado, são os “15 minutos de fama” desses ilustres desconhecidos, porém, era o olhar da bourgeoisie, que tratava de supervisionar o proletariado, como o Big Brother, de George Orwell, em 1984, não o da TV Globo.

Antes que eu me perca em digressões sem nexo novamente, demonstrarei em que medida os filmes considerados os melhores já feitos seguem um cânone próprio. Mas, para isso, será necessário recordarmos a breve história do cinema, uma arte com pouco mais de 100 anos.

1888 – Roundhay Garden Scene, de Louis Le Prince, e Traffic Crossing Leeds Bridge. São os dois primeiros filmes já feitos, tendo cerca de dois segundos de duração cada um deles.

1895 – Primeira exibição da história do cinema. Entre os filmes exibidos destacam-se: A saída dos operários das usinas Lumière e A chegada do trem na estação, produzidos pelos Irmãos Lumière.

1902 – Viagem à Lua, de Georges Mèlies. O primeiro filme de ficção-científica.

1903 – O Grande Roubo do Trem, de Edwin S. Porter. O Primeiro faroeste.

1911 – Little Nemo, de Winsor McCay. O primeiro filme de animação.
1915 – O Nascimento de uma Nação, de David Wark Griffith. O Primeiro longa-metragem.

1918 – The Sinking of the Lusitania, de Winsor McCay. O Primeiro longa-metragem de animação.

1919 – O Gabinete do Dr. Caligari, de Robert Wiene. Marco do Expressionismo alemão.

1923-24 – Paris Adormecida e Entr’acte, de René Clair. Primeiros filmes da vanguarda dadaísta.

1925 – O Encouraçado Potemkin, de Sergei Eisenstein. Um dos filmes mais revolucionários do cinema e um dos principais filmes do construtivismo russo.

1927 – O Cantor de Jazz é o primeiro filme falado. Napoleão, de Abel Gance, introduz o sistema de projeção Polyvision, de tela tripla.

1929 – Um Cão Andaluz, de Luís Buñuel e Salvador Dali, é o marco do surrealismo no cinema. É realizada a primeira cerimônia do Oscar em 6 de maio de 1929.

1939 – O Ano de Ouro de Hollywood: O Mágico de Oz,... E o Vento Levou, O Morro dos Ventos Uivantes, A Mulher faz o Homem, Duas Vidas, No Tempo das Diligências, Ninotchka, etc.

1941 – Relíquia Macabra, de John Huston, é o marco inicial do filme noir, mas o maior destaque do ano é, sem dúvida, Cidadão Kane, de Orson Welles. Inovador pelo uso sistemático da profundidade de campo, pela narrativa não-linear, pela montagem, pelos movimentos inusitados da câmera, entre outros aspectos, Cidadão Kane é o filme mais copiado e mais influente de toda história do cinema. De fato, o cinema divide-se em antes e depois do filme de Orson Welles, que é considerado por críticos de todo mundo como o melhor filme já feito.

1945 – Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rossellini, é o primeiro e principal filme da estética neo-realista na Itália, que, apesar dos poucos recursos, inovou pela utilização de atores não-profissionais, pelo uso de cenários naturais e por retratar o cotidiano da população devastada pela guerra.

1952 – Cantando na Chuva, de Gene Kelly e Stanley Donen, representa o auge dos musicais de Hollywood.

1954 – “Uma certa tendência do cinema francês”, artigo escrito por François Truffaut, nos Cahiers du Cinéma, estabelece os alicerces da política do “cinema de autor.” Rio, 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos, é o precursor do Cinema Novo.

1959 – A Nouvelle Vague francesa, cujos representantes eram, em sua maioria, críticos de cinema, inova tanto pela utilização de novos recursos técnicos, como pelos poucos gastos. Em Acossado, de Jean-Luc Godard, obra-prima do movimento, foram gastos pouco mais de 90 mil dólares em sua realização. Ainda em 1959, o épico religioso Ben-Hur, de William Wyler, ganha 11 Oscar, record que só foi alcançado em 1997, com Titanic, de James Cameron, e, em 2003, com O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei, de Peter Jackson.

1964-65 – São produzidos dois dos mais importantes filmes do Cinema Novo: Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, e Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, o único brasileiro considerado pelo British Film Institute como um dos 360 filmes mais importantes da história do cinema. Em 1965, Glauber Rocha publica o manifesto “Estética da Fome”, cuja idéia principal era “uma idéia na cabeça e uma câmera na mão.”

1968 – 2001: Uma Odisséia no espaço, de Stanley Kubrick, é considerado um marco no gênero ficção-científica e do próprio cinema.


1971 – Stanley Kubrick adapta o romance de Anthony Burgess sobre a violência em uma sociedade futurista e gera polêmica em todo o mundo. O filme Laranja Mecânica foi proibido em diversos países, inclusive, no Brasil.

1976 – O Império dos Sentidos, de Nagisa Oshima, é o primeiro filme “sério” com cenas de sexo explícito. No ano seguinte, Guerra nas Estrelas (1977), de George Lucas, torna-se recordista de bilheteria e é considerado um marco no desenvolvimento de efeitos especiais.

1979 – Considerado por alguns críticos como a obra-prima de Francis Ford Coppola, Apocalypse Now, clássico sobre a guerra do Vietnã inspirado no romance de Joseph Conrad, O Coração das Trevas, é, talvez, o último grande filme produzido na história o cinema. (De fato, a escolha foi arbitrária, pois, o cinema continuou a produzir bons filmes depois desta data. A opção de apontar Apocalypse Now como o último filme da história do cinema aconteceu devido a uma analogia entre o título do filme e o marco final da humanidade, o apocalipse).

UM CÂNONE PARA LITERATURA E PARA VIDA

Em “A Literatura e a formação do homem”, Antonio Candido discorre acerca da importância da literatura na formação psicológica, estética, social, religiosa e ética de cada indivíduo. Segundo ele, a literatura tem a capacidade de confirmar no homem a sua humanidade, ou seja, a “arte das palavras” tem o poder de formar e informar os homens segundo sua própria natureza, não se restringindo a critérios meramente ideológicos, como, por exemplo, um romance que tenha valor somente enquanto propaganda religiosa, feminista, marxista ou qualquer outro movimento panfletário. Em suma, à literatura não se aplicam falsos conceitos morais, pois, da mesma forma que o homem, a literatura está além do bem e do mal.

A literatura, por seu valor de arte humanizadora, não deveria apenas ser obrigatória nas escolas e universidades. Creio que, de fato, as belas-letras deveriam transcender o cenário acadêmico e abranger a todas as classes profissionais e sociais... De vez em quando, assistimos na TV a algum idealista quixotesco que distribui livros gratuitamente nos ônibus, estações de trem e metrô, além de fazer de sua humilde moradia uma biblioteca comunitária... Quando vejo esse empenho em trazer cultura e educação às crianças pobres das periferias, meus olhos chegam a lacrimejar... Como se a educação, no Brasil, fosse um ideal romântico inalcançável, ao invés de ser encarado como deve ser encarado – com razão e seriedade, e não sentimentalismo barato. Na verdade, a realidade social não muda, porque o que deve mudar não é a educação em si, mas sim a maneira que é enxergada a educação, com os olhos fechados.

No Brasil, a literatura tem se delimitado a obras nacionais. São estudadas e debatidas as mesmas obras que o eram há 50 anos atrás, como se o mundo continuasse o mesmo... Se levarmos em consideração a atual grade curricular dos cursos de Letras nas universidades, perceberemos facilmente a presença de obras que compõe o cânone da literatura brasileira e portuguesa como: Gil Vicente, Luís Vaz de Camões, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Gregório de Matos, José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Gonçalves Dias, Castro Alves, Visconde de Taunay, Machado de Assis, Raul Pompéia, Aluísio Azevedo...

É inquestionável a qualidade das obras destes autores, sobretudo, de Machado de Assis e Eça de Queirós. Pois bem, se são esses os autores que compõe o cânone luso-brasileiro, eles devem ser estudados; mas, não há motivos para que se estude Gregório de Matos e Alexandre Herculano durante todo um bimestre ou, como às vezes ocorre, durante um semestre inteiro!!!

Se Gregório de Matos faz parte do cânone literário, estudaremos os aspectos relevantes de sua obra, e o mesmo é válido para qualquer outro autor. Mas, na literatura universal há autores muito maiores em dimensões estética, filosófica e social do que Gregório de Matos, como, por exemplo, Goethe, Shakespeare, Dante, Cervantes, Tolstoi, Kafka, Victor Hugo, etc. A lista é interminável. Se fôssemos examinar cuidadosamente cada autor que eu citei acima, seriam necessárias décadas de estudo. Contudo, o problema não pára por aí. O mais injusto é o fato de autores contemporâneos ou de países sem tradição literária serem relegados a um segundo plano, às vezes, a um terceiro plano, ou menos ainda.

Inegável é o fato de que certas obras resistem ao tempo e se mantêm atuais, devido ao seu caráter universal, mas nada impede que, nos cursos de Letras, se estude Domingos Pellegrini, Luís Fernando Veríssimo, Reinaldo Moraes, entre outros autores de nossa época que são totalmente desconhecidos do público leitor, justamente por não se enquadrarem ao cânone da literatura brasileira dos séculos XVII e XVIII.

Hegel teoriza brilhantemente, em “Introdução à história da filosofia”, que cada período histórico é fecundado por um pensamento, ou seja, A Moreninha e Inocência faziam sentido somente para quem viveu durante aquele período (início do séc. XIX), e isto é ainda mais evidente por toda a história da literatura brasileira até o final do Romantismo. De acordo com Hegel


“As relações que medeiam entre história política, formas do Estado, arte e religião, e a filosofia, não se devem ao fato de serem aquelas a causa da filosofia, como esta, por seu turno, não é causa daquelas; tanto uma como as outras têm conjuntamente a mesma raiz comum: o espírito do tempo. É sempre um determinado modo de ser, um determinado caráter, que invade todas as diversas partes e se manifesta tanto nas formas políticas como nas demais formas culturais, fundindo num todo as várias partes; e estas, por sua vez, não contêm coisa alguma de heterogêneo à condição fundamental dele, pois que podem aparecer diversas e acidentais, embora se afigure que muitas delas se contradizem mutuamente.” (HEGEL, 1974, p. 361)


Se compararmos essa visão da história com o cânone da literatura brasileira, compreenderemos a razão de um país tão promissor quanto o Brasil ser uma nação tão atrasada e provinciana, com o pensamento quase medieval... Irônico também é o fato dos sociólogos e políticos questionarem o que motiva a violência em nossa sociedade, ora, que aluno se interessará pelo destino de Cecília e Peri e pelas características do Romantismo, se o novo videogame interativo em 3D lhe faz sentir poderoso, subjugando inocentes com a violência banalizada em nosso cotidiano?

Em uma cultura onde se exibe em programas de auditório a salada de frutas recheada de bundas enormes e seios “siliconizados” e todos aplaudem, que garoto de 10 a 17 anos vai querer saber da sensualidade e dos lábios de mel de Iracema? A única via para a humanização dessa sociedade imbecilizada pela indústria cultural, termo que empresto de Adorno, é apresentar coisas que realmente tenham alguma importância a essas pessoas.

Se as artes são miméticas, como disse Aristóteles, a literatura tem o dever de nos lançar contra o rosto a tragédia deste início de século, a nossa realidade, e os professores têm a obrigação de se atualizarem, pois se o mundo mudou, a literatura também.

Talvez seja ingenuidade minha crer que a literatura possa mudar o mundo, mas, se um único livro foi capaz de dominar a cultura ocidental por 2000 anos, não custa nada tentar. Somente uma nova visão sobre o que é literatura irá modificar a realidade educacional brasileira, e, talvez, quem sabe, a realidade social e política desse conceito abstrato que se chama Brasil. A literatura tem o poder de transformação do homem, é uma das poucas certezas que tenho, mas, antes do homem, o que precisa mudar é a visão sobre a literatura. Quem sabe, talvez, se passarmos a valorizar o que é novo, revitalizado, universal, o que rompe os paradigmas obsoletos, um dia, veremos nascer um novo Shakespeare, um novo Dostoievski, um novo Machado de Assis ou, até mesmo, um novo José de Alencar.



REFERÊNCIAS

HEGEL, Georg Friedrich. A Fenomenologia do espírito. Estética: a idéia e o ideal. Estética: o belo artístico e o ideal. Introdução à história da filosofia. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Os Pensadores)

domingo, 13 de setembro de 2009

Dying Words

Domingo à tarde, no ápice de meu ócio, estava "navegando" na internet, como dizem os jovens", quando resolvi procurar naquele famoso site de buscas a expressão dying words, que, como vocês já devem saber, significa, em bom português, "as últimas palavras que alguém diz antes de morrer". Eis o link:

http://www.corsinet.com/braincandy/dying.html

Com base nessa "importantíssima" pesquisa, resolvi premiá-los com as dez frases mais famosas do cinema, segundo os meus critérios:

1º "Rosebud" (Orson Welles em Cidadão Kane)

2º "Play it, Sam. Play As time goes by" (Ingrid Bergman em Casablanca)

3º "Toto, I've got a feeling we're not in Kansas anymore." (Judy Garland em O Mágico de Oz)

4º " You don't understand! I coulda had class. I coulda been a contender. I could've been somebody, instead of a bum, which is what I am." (Marlon Brando em Sindicato de Ladrões)

5º "Open the pod bay doors, HAL." (Keir Dullea em 2001: Uma Odisséi no Espaço)

6º "I have always depended on the kindness of strangers." (Vivien Leigh em Uma Rua Chamada Pecado)

7º "Say "hello" to my little friend!" (Al Pacino em Scarface)

8º "Keep your friends close, but your enemies closer." (Al Pacino em O Poderoso Chefão II)

9º "Well, nobody's perfect" (Joe E. Brown em Quanto mais quente melhor)

10º "Don't knock masturbation. It's sex with someone I love." (Woody Allen em Annie Hall)

O American Film Institute realizou, em 2005, uma pesquisa sobre quais foram as frases mais importantes da história do cinema, o que, obvimanete, quer dizer: Cinema Americano. Para quem estiver curioso para ver a lista completa do AFI, o que eu duvido muito, basta seguir o link abaixo:

www.afi.com

No site, estão disponíveis outras listas tão importantes como essa, como, por exemplo: As 100 melhores trilhas, as 100 melhores canções, os 100 maiores heróis e os 100 maiores vilões, as 100 maiores estrelas, as 100 melhores comédias... Enfim, a lista é interminável; logo será necessário fazer lista das 100 melhores listas já feitas.